sexta-feira, 13 de julho de 2018

¿O que (porra!) é “ser liberal”?! (a diferença entre o Pedro Arroja e o João Miranda)

 

Existe por aqui e aqui e aqui uma cumbersa sobre quem é mais “liberal” do os outros que se dizem “liberais”. Em Portugal, o “liberalismo” é como a “homofobia”: são ambos conceitos que ninguém consegue definir.

Se “a função do Estado liberal é a de garantir os direitos individuais” — então segue-se que o Bloco de Esquerda é um partido liberal, porque este partido é o principal arauto dos putativos “direitos individuais” em Portugal.

Em primeiro lugar, há que distinguir entre “liberalismo político” (que saiu da filosofia dos “direitos naturais” de John Locke), e “liberalismo económico”.

O primeiro é a forma abstracta e racional de um individualismo moderado (repito: moderado), ligado ao desenvolvimento do Direito como defesa contra a arbitrariedade e discricionariedade do poder das elites — e tem a sua melhor exposição no “Espírito das Leis”, de Montesquieu (1748), com a teoria da separação (e equilíbrio) dos “poderes” que inspirou profundamente a Constituição dos Estados Unidos de 1787 e, embora em muito menor escala, a Declaração dos Direitos do Homem de 1789.

O liberalismo político foi criticado por Rousseau (como não poderia deixar de ser!) através do conceito de "Vontade Geral".

Com o passar do tempo, o liberalismo político na Europa foi passando a ser a muleta das próprias elites, quando se tornou sucessivamente o apoio ideológico da média e da alta burguesia, sempre que estas duas classes se democratizam (o “liberalismo radical”, analisado por Tocqueville). Pouco a pouco, o liberalismo político foi “perdendo gás” e valor doutrinário, e tende a ser confundido com o liberalismo económico.

Este último é o resultado das teorias dos economistas ingleses, escoceses e franceses do século XVII, que surgiram (as teorias) como factores de “progresso social”: o próprio Karl Marx elogiou alguns economistas da escola escocesa.

A partir da Revolução Francesa, da "Vontade Geral" de Rousseau, e com o desenvolvimento do socialismo no século XIX, o conceito de liberalismo muda, tanto em política como em economia.


Podemos dizer o que “o liberalismo não é” — tentativa de definição negativa.

  • O liberalismo é contra qualquer concepção democrática do Poder que proclame o reinado da "Vontade Geral" (de Rousseau) e conduzindo a uma tirania das massas — ver, por exemplo, as críticas do liberal anti-utilitarista Benjamim Constant ao pensamento de Rousseau; outros liberais anti-utilitaristas: por exemplo, Germaine de Staël (1766 – 1817), Tocqueville (1805 – 1859);
  • por outro lado, o liberalismo é contra as reivindicações colectivistas ou planificadoras (socialização da propriedade, regulamentação dos direitos do trabalho);
  • por fim, o liberalismo é contra uma tal intervenção do Estado na sociedade civil que implique uma ruptura do equilíbrio natural que (o liberalismo) identifica no concurso espontâneo das vontades individuais.


Se a função do Estado liberal é a de garantir os direitos individuais — então segue-se que o Bloco de Esquerda é um partido liberal, porque este partido é o principal arauto dos putativos “direitos individuais” em Portugal.

Este é o busílis da questão: ¿o Bloco de Esquerda é um partido liberal?!

Claro que não!. Mas a postura da Nova Esquerda veio baralhar a política. Hoje, o “liberalismo” é muito diferente do liberalismo clássico dos séculos XVII e XVIII.

Hoje, os “direitos individuais” do liberalismo político são utilizados pela Esquerda para minar o liberalismo económico: a Esquerda coloca o liberalismo político contra o liberalismo económico.

O conceito de igualdade, da parte do Bloco de Esquerda, é a de uma igualdade social, em contraposição à igualdade de direitos do liberalismo clássico. É neste sentido que o Pedro Arroja tem razão quando diz que o João Miranda é de Esquerda. Ou, como escreveu Olavo de Carvalho:

« Há muitos motivos para você ser contra o socialismo, mas entre eles há dois que são conflituantes entre si: você tem de escolher. Ou você gosta da liberdade de mercado porque ela promove o Estado de Direito, ou gosta do Estado de Direito porque ele promove a liberdade de mercado. No primeiro caso, você é um “conservador”; no segundo, é um “liberal”.
(…)
Ou você fundamenta o Estado de Direito numa concepção tradicional da dignidade humana, ou você o reinventa segundo o modelo do mercado, onde o direito às preferências arbitrárias só é limitado por um contrato de compra e venda livremente negociado entre as partes.
(…)
O conservadorismo é a arte de expandir e fortalecer a aplicação dos princípios morais e humanitários tradicionais por meio dos recursos formidáveis criados pela economia de mercado. O liberalismo é a firme decisão de submeter tudo aos critérios do mercado, inclusive os valores morais e humanitários.

O conservadorismo é a civilização judaico-cristã elevada à potência da grande economia capitalista consolidada em Estado de Direito. O liberalismo é um momento do processo revolucionário que, por meio do capitalismo, acaba dissolvendo no mercado a herança da civilização judaico-cristã e o Estado de Direito. »

Para mim é certo que o João Miranda gosta do Estado de Direito porque este promove a liberdade de mercado; e parece-me que o Pedro Arroja (como eu!) gosta da liberdade de mercado porque esta promove o Estado de Direito.

O Pedro Arroja fundamenta o Estado de Direito numa concepção tradicional da dignidade humana; o João Miranda reinventa o Estado de Direito segundo o modelo do mercado, onde o direito às preferências arbitrárias só é limitado por um contrato de compra e venda livremente negociado entre as partes.

Grande parte dos “liberais” portugueses (incluindo o João Miranda) faz o jogo político da Esquerda. Ou melhor dizendo: o liberalismo português (do Blasfémias  e do Insurgente ) é um momento do processo revolucionário que, por meio do capitalismo, acaba por dissolver no mercado a herança da civilização judaico-cristã e o próprio Estado de Direito.

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