Existe por aqui e aqui e aqui uma cumbersa sobre quem é mais “liberal” do os outros que se dizem “liberais”. Em Portugal, o “liberalismo” é como a “homofobia”: são ambos conceitos que ninguém consegue definir.
Se “a função do Estado liberal é a de garantir os direitos individuais” — então segue-se que o Bloco de Esquerda é um partido liberal, porque este partido é o principal arauto dos putativos “direitos individuais” em Portugal.
Em primeiro lugar, há que distinguir entre “liberalismo político” (que saiu da filosofia dos “direitos naturais” de John Locke), e “liberalismo económico”.
O primeiro é a forma abstracta e racional de um individualismo moderado (repito: moderado), ligado ao desenvolvimento do Direito como defesa contra a arbitrariedade e discricionariedade do poder das elites — e tem a sua melhor exposição no “Espírito das Leis”, de Montesquieu (1748), com a teoria da separação (e equilíbrio) dos “poderes” que inspirou profundamente a Constituição dos Estados Unidos de 1787 e, embora em muito menor escala, a Declaração dos Direitos do Homem de 1789.
O liberalismo político foi criticado por Rousseau (como não poderia deixar de ser!) através do conceito de "Vontade Geral".
Com o passar do tempo, o liberalismo político na Europa foi passando a ser a muleta das próprias elites, quando se tornou sucessivamente o apoio ideológico da média e da alta burguesia, sempre que estas duas classes se democratizam (o “liberalismo radical”, analisado por Tocqueville). Pouco a pouco, o liberalismo político foi “perdendo gás” e valor doutrinário, e tende a ser confundido com o liberalismo económico.
Este último é o resultado das teorias dos economistas ingleses, escoceses e franceses do século XVII, que surgiram (as teorias) como factores de “progresso social”: o próprio Karl Marx elogiou alguns economistas da escola escocesa.
A partir da Revolução Francesa, da "Vontade Geral" de Rousseau, e com o desenvolvimento do socialismo no século XIX, o conceito de liberalismo muda, tanto em política como em economia.
Podemos dizer o que “o liberalismo não é” — tentativa de definição negativa.
- O liberalismo é contra qualquer concepção democrática do Poder que proclame o reinado da "Vontade Geral" (de Rousseau) e conduzindo a uma tirania das massas — ver, por exemplo, as críticas do liberal anti-utilitarista Benjamim Constant ao pensamento de Rousseau; outros liberais anti-utilitaristas: por exemplo, Germaine de Staël (1766 – 1817), Tocqueville (1805 – 1859);
- por outro lado, o liberalismo é contra as reivindicações colectivistas ou planificadoras (socialização da propriedade, regulamentação dos direitos do trabalho);
- por fim, o liberalismo é contra uma tal intervenção do Estado na sociedade civil que implique uma ruptura do equilíbrio natural que (o liberalismo) identifica no concurso espontâneo das vontades individuais.
Se “a função do Estado liberal é a de garantir os direitos individuais” — então segue-se que o Bloco de Esquerda é um partido liberal, porque este partido é o principal arauto dos putativos “direitos individuais” em Portugal.
Este é o busílis da questão: ¿o Bloco de Esquerda é um partido liberal?!
Claro que não!. Mas a postura da Nova Esquerda veio baralhar a política. Hoje, o “liberalismo” é muito diferente do liberalismo clássico dos séculos XVII e XVIII.
Hoje, os “direitos individuais” do liberalismo político são utilizados pela Esquerda para minar o liberalismo económico: a Esquerda coloca o liberalismo político contra o liberalismo económico.
O conceito de igualdade, da parte do Bloco de Esquerda, é a de uma igualdade social, em contraposição à igualdade de direitos do liberalismo clássico. É neste sentido que o Pedro Arroja tem razão quando diz que o João Miranda é de Esquerda. Ou, como escreveu Olavo de Carvalho:
« Há muitos motivos para você ser contra o socialismo, mas entre eles há dois que são conflituantes entre si: você tem de escolher. Ou você gosta da liberdade de mercado porque ela promove o Estado de Direito, ou gosta do Estado de Direito porque ele promove a liberdade de mercado. No primeiro caso, você é um “conservador”; no segundo, é um “liberal”.
(…)
Ou você fundamenta o Estado de Direito numa concepção tradicional da dignidade humana, ou você o reinventa segundo o modelo do mercado, onde o direito às preferências arbitrárias só é limitado por um contrato de compra e venda livremente negociado entre as partes.
(…)
O conservadorismo é a arte de expandir e fortalecer a aplicação dos princípios morais e humanitários tradicionais por meio dos recursos formidáveis criados pela economia de mercado. O liberalismo é a firme decisão de submeter tudo aos critérios do mercado, inclusive os valores morais e humanitários.O conservadorismo é a civilização judaico-cristã elevada à potência da grande economia capitalista consolidada em Estado de Direito. O liberalismo é um momento do processo revolucionário que, por meio do capitalismo, acaba dissolvendo no mercado a herança da civilização judaico-cristã e o Estado de Direito. »
Para mim é certo que o João Miranda gosta do Estado de Direito porque este promove a liberdade de mercado; e parece-me que o Pedro Arroja (como eu!) gosta da liberdade de mercado porque esta promove o Estado de Direito.
O Pedro Arroja fundamenta o Estado de Direito numa concepção tradicional da dignidade humana; o João Miranda reinventa o Estado de Direito segundo o modelo do mercado, onde o direito às preferências arbitrárias só é limitado por um contrato de compra e venda livremente negociado entre as partes.
Grande parte dos “liberais” portugueses (incluindo o João Miranda) faz o jogo político da Esquerda. Ou melhor dizendo: o liberalismo português (do Blasfémias e do Insurgente ) é um momento do processo revolucionário que, por meio do capitalismo, acaba por dissolver no mercado a herança da civilização judaico-cristã e o próprio Estado de Direito.
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