sábado, 14 de julho de 2018

Portugal e os “intelectuais liberais”

 

“Os intelectuais portugueses têm sido, de uma forma geral, estrangeiros em Portugal.”

— Agostinho da Silva


Este texto no Blasfémias é interessante: em primeiro lugar, porque não é comum que naquele blogue alguém dê algum ênfase à cultura antropológica (com excepção das duas senhoras que lá publicam); normalmente, os liberais portugueses (assim como os marxistas) reduzem a realidade inteira à economia.

Em segundo lugar, porque labora no erro português costumeiro e romântico (o Pedro Arroja também incorre neste erro, que o Fernando Pessoa criticou nas suas obras em prosa) segundo o qual “o que vem lá de fora, o que é estrangeiro, é que é bom”. E depois gera-se a “pescadinha de rabo na boca”: “nós não produzimos ideias porque somos pequenos; e somos pequenos porque não produzimos ideias”.


“Uma lista dos defeitos dos portugueses devia levar o político inteligente a elaborar um projecto de sociedade em que eles passassem apenas a ser características, ou quem sabe se qualidades.”

— Agostinho da Silva


A questão das afinidades entre diferentes culturas antropológicas, é muito importante — porque são essas afinidades conjuntas que forçam a cultura da civilização em um determinado sentido, o que não significa necessariamente que esse sentido seguido seja o melhor possível.

Assim como o progresso da ciência assenta em convenções acerca dos paradigmas a seguir (que podem ser falsos), assim a cultura da civilização (em que se insere Portugal) evolui segundo convencionalismos sobre o que é (alegadamente) positivo e negativo a cada momento da História. E esses convencionalismos são determinados por culturas que, podendo até ser rivais entre si, se valorizam umas em relação a outras — por exemplo, o caso da cultura empirista inglesa em relação à cultura romântica e apodíctica da Alemanha do século XIX, e vice-versa.


“Os portugueses sempre adoraram o concreto: entendem o abstracto, mas procuram traduzi-lo imediatamente em concreto.”

— Agostinho da Silva


É certo que a produção intelectual portuguesa no século XX foi parca; até o Leonardo Coimbra (que foi ministro da Instrução na I República) emulou Bergson; em quase nada foi original. O mais original de todos até foi o Fernando Pessoa.

Atirar as culpas para cima do Salazar (como faz o blasfemo de serviço) é muito cómodo; dá muito jeito. Assim se enganam os pacóvios — porque a I República não fez outra coisa senão “importar ideias estrangeiras”, e ainda assim o país encontrava-se em um atoleiro miserável e endividado, em 1926, quando o “fassista” Salazar subiu ao Poder. Foi a “aceitação de ideias estrangeiras” que transformou o Portugal da I República em uma latrina do terceiro mundo. E depois dizem que “a culpa foi do Salazar”.

A penicilina foi descoberta na década de 1930 por Fleming (um britânico), na sequência das descobertas de Pasteur (um francês) — aqui está um exemplo das afinidades das culturas antropológicas diferentes de duas nações; mas ainda assim, alegadamente, a culpa da enorme mortalidade infantil foi do Salazar.

O problema de Salazar talvez tenha sido o de ter “importado ideias do estrangeiro” — só que foram importadas determinadas ideias em relação às quais o blasfemo de serviço não concorda. Salazar tinha nitidamente um pensamento de tipo hegeliano (romantismo alemão), que aliás estava na moda na Europa do seu (dele) tempo.


“Consiste o progresso no regresso às origens: com a plena memória da viagem.”

— Agostinho da Silva

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