sábado, 6 de outubro de 2018

A física e a metafísica pertencem à mesma realidade


Temos aqui um texto da professora de filosofia Helena Serrão: « ¿Será possível o conhecimento "a priori"? »


O referido texto explica o que significa o “a priori”, segundo Kant. Mas a concepção da diferença entre o “a priori” (o conceito de “relação de ideias”, de Hume), por um lado, e o “empírico” (o conceito de “questões de facto”, de Hume), por outro lado, é anterior a Kant e pertence a David Hume (a Helena Serrão não referiu este facto que é muito importante para a epistemologia).

O que é novo em Kant (em relação a David Hume) é o conceito de “interpretação da realidade” por parte do ser humano, conceito que é compatível com a filosofia quântica. Segundo Kant, as impressões dos sentidos (empirismo) fornecem a matéria bruta do conhecimento (empírico), mas o sujeito (humano) é pensante e responsável pela organização estrutural e relacional dessa matéria bruta.

“O entendimento cria as suas leis (as leis da natureza), não a partir da Natureza, mas impõe-lhe-as” → Kant (Crítica da Razão Pura).

Com esta frase de Kant se resume o conceito de “a priori”, que tem como base o conceito de “interpretação da realidade”. Exactamente por isso é que Karl Popper tem razão quando diz que “a ciência é composta por conjecturas”, porque até as próprias leis da natureza verificadas empiricamente foram verificadas (estatisticamente) no passado, e não há (racionalmente e em bom rigor) uma certeza de elas sejam exactamente as mesmas no futuro.


O que eu não concordo, nem com a Helena Serrão, nem com Kant ou Hume, nem mesmo com Aristóteles, é com a diferenciação entre “física”, por um lado, e “metafísica”, por outro lado (seja o que for que estes dois termos signifiquem). É esta a razão por que escrevo este verbete.

Se existisse uma diferenciação real entre a física e a metafísica, a ciência não teria avançado ou progredido (o único “progresso” que existe de facto é na ciência) — porque muita coisa que pertencia à metafísica, em um determinado momento, passou pertencer a física noutro momento (como podemos constatar actualmente com a física quântica).

Por exemplo, o conceito científico de “não-localidade” ainda há pouco tempo pertencia à metafísica.

Aliás, Kant entra em contradição quando, por um lado, diferencia a física e a metafísica, e por outro lado introduz o “princípio da intencionalidade da Natureza” (Crítica da Razão Pura, 1790).

Kant insistiu que embora não possamos provar que a Natureza está intencionalmente organizada (de uma determinada forma), devemos sistematizar o nosso conhecimento empírico vendo a Natureza como se fosse organizada intencionalmente — o que é uma forma metafísica de conceber a Natureza.

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