A professora Helena Serrão transcreve aqui um textículo de um livro de Bertrand Russell. Devo dizer que tenho a primeira edição desse livro publicada em Portugal na década de 1960. Já o estudei 1 de trás para frente depois de frente para trás. E o seu conteúdo (da filosofia de Bertrand Russell) está, em grande parte, ultrapassado, isto é, não é válido (por exemplo) no que diz respeito à alegada contraposição (ou oposição) da ciência em relação à metafísica ou à religião em geral.
Para fazermos uma crítica a Bertrand Russell, reduzindo as suas teses ao absurdo, devemos ler três autores: 1/ Karl Popper, na área da ciência; 2/ Louis Lavelle, na metafísica e na ética; e 3/ Eric Voegelin, nas ciências da História.
Naturalmente que nunca veremos a professora Helena Serrão citar quaisquer destes três autores; aliás, só lhe falta começar a citar Karl Marx, Engels e Feuerbach, por exemplo.
O que mais me choca em Bertrand Russell é a ética (dele). Em resumo e simplificando, ele diz o seguinte (hiperbolizando): se uma maioria de pessoas, em uma determinada sociedade, for de opinião (por exemplo) de que o infanticídio é moralmente aceitável, então essa ética é aceitável porque é apoiada pela maioria das pessoas (é o mesmo princípio da ética do “modelo discursivo” do marxismo cultural de J. Habermas e de K. O. Apel).
A ética de Bertrand Russell é humeana (David Hume), e por isso mesmo subjectivista e auto-contraditória — porque, a julgar pelos seus próprios parâmetros, ele objectivamente torna legítima a ética do regime nazi (por exemplo), ao mesmo tempo que subjectivamente critica o nazismo. Como em toda a ética de raiz humeana (como é o caso, por exemplo, do utilitarismo), há na ética de Bertrand Russell uma contradição insanável e irreconciliável entre o subjectivo e o objectivo.
Vamos analisar apenas uma proposição do referido texto; por exemplo:
¿Estará o mundo dividido entre espírito e matéria, e sendo assim, que é espírito e que é matéria?
Actualmente, só um burro coloca o problema da Realidade desta forma, depois das descobertas da física quântica. Aliás, a física quântica incomoda os “filósofos de academia”, aqueles que têm como função principal justificar o espírito empedernido de técnicos que se auto-intitulam “cientistas”. 2
Não quero eu com isto dizer que não exista eventualmente diferença entre espírito e matéria (“espírito” aqui entendido no sentido de “consciência”): o que eu quero dizer é que não existe nenhum ser humano, cientista ou não, que me dê uma definição de “matéria”. Se houver por aí um génio que me defina “matéria”, agradeço antecipada- e encarecidamente. Ora, Bertrand Russell fala de conceitos que não têm uma definição precisa, e por isso entra pela metafísica que ele próprio critica.
Porém, se partirmos do princípio segundo o qual “tudo o que tem massa é matéria”, então a "função de onda quântica" (princípio da sobreposição) 3 revela-nos de que existem aspectos da Realidade que não têm massa, e portanto não podem ser considerados como sendo “matéria”.
“A distinção entre matéria e espaço vazio teve que ser finalmente abandonada, quando se tornou evidente que as partículas virtuais [partículas elementares] podem ser criadas espontaneamente, a partir do vazio, e nele desaparecem novamente, sem que esteja presente algum nucleão ou qualquer outra partícula que interactue fortemente.
As partículas [partículas elementares] formam-se a partir do nada e desaparecem novamente no vácuo. De acordo com a “teoria de campo”, acontecimentos deste tipo estão constantemente a acontecer. O vácuo está longe de se encontrar vazio. Pelo contrário, contém um ilimitado número de partículas que surgem infinitamente.”
→ Fritjof Capra, “O Tau da Física”, página 184
Este trecho de Fritjof Capra destrói qualquer construção ideológica clássica de Bertrand Russell em torno do conceito de “matéria” — porque se as partículas elementares surgem e desaparecem “espontaneamente” no universo, ficamos sem saber o que significa “matéria”.
Notas
1. Estudar não é apenas ler: é analisar cada palavra do ponto de vista morfológico e sintáctico, e depois fazer uma síntese tão simplificada quanto seja possível e sem gongorismos.
2. O chamado “cientista trabalhador” (em contraponto ao “cientista pensador”), que dispõe de fórmulas comprovadas que estão resumidas em uma espécie de “livro de receitas”: até mesmo um físico medíocre pode fazer um bom trabalho no laboratório, embora não tenham consciência das consequências da física quântica actual para a questão da Realidade.
3. Em Física, chamam de “complementaridade” a um método duplo que consiste em determinar o comportamento de uma partícula elementar, que pode comportar-se como uma onda (sem massa) ou como matéria; aos dois métodos complementares para determinar o comportamento de uma partícula elementar, chamou-se de “complementaridade”.
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