sexta-feira, 7 de agosto de 2020

O Sérgio Barreto Costa (da Silva Papaeira) e a Introdução Geral acerca do marxismo cultural

O Sérgio Barreto Costa (da Silva Papaeira) escreve uma introdução geral em duas partes acerca da existência, ou não, do marxismo cultural. A introdução geral dele tem um duplo objectivo — aliás exarado logo no início do texto: o primeiro, o de sublinhar a opinião (dele) de que Nuno Melo é um normalíssimo político; e o segundo objectivo, o de se superiorizar a José Pacheco Pereira e a António Guerreiro que ele próprio considera serem “os mais importantes intelectuais públicos do país”.

António Sérgio escreveu um ensaio que foi publicado em 1952 (Cartas de Problemática, nº 4) que fala da tendência típica dos portugueses universitários (de tipo Sérgio Barreto Costa) para o discurso redondo e para as “introduções gerais”:

“Liga-se a este culto da sabichice estreme o portuguesíssimo apego às introduções gerais. Sempre que um típico intelectual lusitano tem por mira instruir-nos sobre determinado assunto — embrenha-nos na selva de uma introdução genérica, histórico-filosófico-preparatória, cheia de cipoiais onde se nos enreda o espírito e onde nunca se avista a estrada recta e livre.

Depois, quando já nos achamos cerca da orla da floresta, principiando-se a enxergar o bom caminho e o objectivo — pronto!, acaba-se o fôlego ao nosso autor e a nós próprios, exactamente no instante em que se ia abordar o tema.”

Caros amigos: não nos interessa saber se o Nuno Melo é um “normalíssimo político”, ou não; o que nos interessa é saber — de uma forma sucinta e sem introduções gerais — se ele tem razão, ou não. E Nuno Melo tem razão.

Comentar a Introdução Geral do Silva Papaeira seria incorrer no erro de laborar em uma nova Introdução Geral, desta feita de minha lavra; mas sempre podemos fazer uma ou outra crítica circunstancial, por exemplo, quando o Papaias confunde “cultura intelectual”, por um lado, e “cultura antropológica”, por outro lado; e essa confusão é levada a cabo através de uma sorite1:

«Assim sendo, e uma vez que, para Marx, “a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, a sua força intelectual dominante”, é completamente impossível que a supremacia cultural esteja, neste momento, nas mãos da esquerda.»

Basta lermos os editoriais de praticamente todos os jornais portugueses para sabermos qual é a “força intelectual dominante” em Portugal. Só um burro não vê.

É claro que o José Pacheco Pereira é (aparentemente) um burro que se julga experto; o rei vai nu. Não seria necessário escrever uma Introdução Geral rebuscada para constatar um facto tão notório.

Em termos estritamente epistemológicos (deixemos de lado as interpretações subjectivistas), o Sérgio Barreto Costatem razão, isto é, constrói a História de forma correcta — por exemplo, quando fala em Lukacs e em Gramsci.

É claro que o Pacheco não leu Gramsci; ou se leu, entrou em dissonância cognitiva e em estado de negação.

Mas o Papaeira “esqueceu-se” de falar dos desenvolvimentos ideológicos a partir de Lukacs e de Gramsci: a Utopia Negativa (a Escola de Frankfurt, a Teoria Crítica, e o posterior desenvolvimento ideológico marcuseano), e o neo-estruturalismo ou Pós-modernismo.

O marxismo cultural não se restringe a Lukacs e a Gramsci. 


Notas
1. uma Sorite é um sofisma que consiste em acumular proposições que podem ser verdadeiras, mas cuja conclusão é ilegítima por falta de ligação entre as proposições. Por exemplo: “Sou o homem mais belo do mundo. Com efeito, Paris é a cidade mais bela do mundo, o meu colégio é o mais belo de Paris, o meu quarto é o mais belo do colégio; sou o homem mais belo do meu quarto. Por isso, sou o homem mais belo do mundo”. → Cyrano de Bergerac

2. “da Silva Papaeira”: ¿por que razão os “intelectuais” portugueses utilizam sempre três nomes?

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