terça-feira, 19 de abril de 2022

O dogmatismo travestido de cepticismo


Um indivíduo de Esquerda admite a imutabilidade da Natureza Humana, o que é extraordinário: em bom rigor, ele não é propriamente de Esquerda — ou não é revolucionário, o que vai dar no mesmo: todos os revolucionários são de Esquerda.

E a contra-revolução permanente consiste em raspar sistematicamente o verniz da inteligibilidade (com que os revolucionários pretendem permanentemente ocultá-la) que cobre o Mistério da Existência e da Natureza (trata-se de um Mistério positivo, que é sombra da Realidade, e não propriamente um Mistério negativo que é sombra da nossa condição de ignorantes).

bertrand-russell-esgar-webChama-se “burguesia progressista” à classe revolucionária que tomou o Poder no Ocidente (não confundir com o “burguês tradicional”, que se extinguiu no início do século XIX).

Ao burguês actual, podemos inculcar-lhe — em nome do “progresso” — qualquer patranha, e vender-lhe, em nome da arte, qualquer mamarracho.

Chama-se a isto “cultura”, que não pode ser confundida com “Natureza Humana”.

Hoje, os “intelectuais” (por exemplo, os pachecos) defendem a ideia segundo a qual “a Natureza Humana mudou porque mudou a cultura”: são os mesmos que dizem que “a lógica evoluiu e progrediu”.

O tal indivíduo de Esquerda (de seu nome Carlos Matos Gomes) começa por constatar um facto que Fernando Pessoa descreveu sucinta- e poeticamente:

“A velhice do eterno novo”.

Só os estúpidos não sabem que o novo é tão velho quanto o mundo.

E contrapõe (o tal indivíduo) o dogmatismo ao cepticismo; mas o dogmatismo que ele critica é o dogmatismo moderno, dito “racionalista”, que tem uma confiança quase absoluta no poder da Razão.

Contudo, convém que se diga que a experimentação (ou a experiência) não confirma nem refuta os axiomas matemáticos ou/e os dogmas religiosos — portanto, há uma diferença abismal entre o “dogma racionalista”, combatido por David Hume e depois por Bertrand Russell, por um lado, e, por outro lado, o “dogma religioso” que não é uma especulação da consciência religiosa, mas antes é uma fórmula canónica de enigmas experimentais que pretende evitar que a doutrina católica se evapore em metafísica.

Porém, o momento de maior lucidez do ser humano é aquele em que ele duvida da sua própria dúvida.

Mais do que razões para crer, ele há melhores razões para duvidar da dúvida. O crente pode saber como se duvida; mas o incréu não sabe como se crê.

Portanto, o cepticismo, que o tal indivíduo apoia e contrapõe ao “dogmatismo racionalista”, não é um bem em si mesmo.

Aliás, o cepticismo moderno (o de Hume e Bertrand Russell) pode assumir uma forma dogmática, na medida em que o céptico recuse colocar em causa a validade da sua própria visão céptica da realidade — e é esse o dogmatismo do tal indivíduo, quando nega a evidência de que a Rússia violou o Direito Internacional ao invadir a Ucrânia: trata-se de um dogmatismo travestido de cepticismo.

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