domingo, 6 de outubro de 2024

A ambiguidade ambivalente do Ludwig Krippahl


Não devemos confundir “ambiguidade” e “ambivalência”.

A ambiguidade aplica-se a conceitos; a ambivalência é psicológica: não é legítimo falar de “ambivalência dos conceitos”, os quais não traduzem directamente situações concretas e não podem, por isso, ser objecto de um juízo-de-valor. Podemos falar de “ambivalência de sentimentos” (por exemplo, amor-ódio, orgulho-timidez); podemos falar em “ambivalência dos sonhos”.

A ambivalência é subjectiva (psicologia); a ambiguidade é objectiva, ou pode ser objectivada através de conceitos.


Neste texto do Ludwig Krippahl há muita ambiguidade (para atenuar a Dissonância Cognitiva que a liberdade provoca na Esquerda) e alguma ambivalência (para tentar eliminar a Dissonância Cognitiva do próprio autor).

Por exemplo, afirmar que “o colectivo [a sociedade] não deve coagir” o indivíduo na sua liberdade de expressão, é uma impossibilidade objectiva — a não ser que a sociedade seja de tal forma atomizada que deixe de existir opinião pública (no fundo, indo ao encontro das ideias de Rousseau acerca daquilo a que ele chamou de "Vontade Geral", e que é exactamente o contrário de “vontade geral”).

Qualquer crítica às ideias de uma pessoa é uma forma de coacção sobre essa pessoa. E qualquer opinião pública e/ou publicada de um indivíduo é uma forma de coacção sobre o (colectivo) sociedade.

O que devemos fazer é lutar — e o Ludwig Krippahl não se referiu a isto — pela afirmação da racionalidade no discurso público.

Por exemplo, quando Mariana Mortágua disse (nos me®dia, a 20 de Maio de 2024), que “é nosso dever acolher toda a gente que chega” [a Portugal], e “é assim que construímos um país mais seguro”, estamos em presença de uma incongruência: em primeiro lugar, porque é um non sequitur: não se segue que “acolher toda a gente que chegue” a Portugal seja sinónimo de “mais segurança”; mas acima de tudo é uma irracionalidade, porque Portugal não pode acolher “toda a gente que chegue”. Acolher toda a gente que chegue a Portugal é uma impossibilidade objectiva — e é tempo de se exigir (pelos me®dia) ao Bloco de Esquerda que utilize a racionalidade no seu discurso político. Porém, a Mariana Mortágua sai sempre incólume das bacoradas que lança dos me®dia.

Um exemplo de ambivalência do Ludwig Krippahl é a tentativa de comparação entre a afirmação individual da homossexualidade na tropa americana, por um lado, e a afirmação individual da homossexualidade na sociedade em geral, por outro lado.

Dou um exemplo: as lojas maçónicas masculinas não admitem mulheres; e eu respeito muito essa postura das lojas, porque são instituições. Uma loja maçónica é uma instituição. Uma instituição é uma forma de organização, ou forma de vida social, que a sociedade dá a si mesma para assegurar a sua perenidade. Como em todas as instituições [da sociedade], na instituição da maçonaria existem as pessoas que têm (em si mesmas) condições para estar dentro dela, e as que não reúnem as condições necessárias para esse efeito.

Seria injusto que se dissesse que “a maçonaria é misógina” — em primeiro lugar porque existem lojas maçónicas femininas; e depois, porque, enquanto instituição, a maçonaria deve ter toda a liberdade para estabelecer as suas próprias condições de adesão. Ninguém é obrigado a aderir à maçonaria.

De modo semelhante, nenhum cidadão americano é obrigado a aderir às Forças Armadas americanas, por um lado, e por outro lado é claro que as Forças Armadas americanas são uma instituição.


Outro exemplo de ambiguidade do Ludwig Krippahl é quando ele escreve que “o fundamental da democracia é que o poder do colectivo seja exercido em função do consenso dos indivíduos”, quando tinha escrito anteriormente que “o colectivo não deve coagir a pessoa em função do que esta pensa ou sente”.

Ou seja, segundo o Ludwig Krippahl, o colectivo só deve coagir o indivíduo quando a opinião (deste) não lhe agrada.

Ademais, a ideia segundo a qual “o poder do colectivo seja exercido em função do consenso dos indivíduos” vem do marxista cultural Habermas e do seu (dele) chamadométodo discursivo (ver aqui). Porém, para as pessoas que não participaram na discussão do “consenso”, ou porque não puderam fazê-lo por motivos práticos, ou porque são crianças, doentes, ou porque ainda não nasceram, o “consenso” do “método discursivo” dos “marxistas da cultura”, Habermas e Ludwig Krippahl, não significa nada.

Finalmente, o consenso do “método discursivo” não pode obrigar o oportunista, especialista na aplicação do princípio do interesse próprio, a agir no sentido do consenso — porque o cálculo só bate certo se todos os envolvidos abandonarem previamente o princípio do interesse próprio.

Em suma, é necessária uma decisão moral prévia a qualquer discurso; mas isto é matéria para outro verbete.

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