1/ O Ludwig Krippahl escreve aqui um texto em que defende a ideia segundo a qual o progresso é uma lei da natureza. Escreve (ele):
“Como é mais difícil testar hipóteses acerca de valores do que acerca de factos, a ética parece avançar menos que a ciência mas, ainda assim, tem dado bons resultados.
Houve muito progresso em questões acerca de escravatura, igualdade de direitos, legitimidade dos governos, processos judiciais e outros. É uma abordagem claramente melhor do que autos de fé, ditaduras caprichosas ou tapar a cara às mulheres só porque é costume.”
Bastaria uma geração de bárbaros actuais para botar o “progresso” do Ludwig Krippahl pela retrete abaixo.
2/ Ademais, o Ludwig Krippahl considera o “mito” como uma espécie de “mentira”, ou Teoria da Conspiração. Porém, em filosofia, o mito é uma narrativa didáctica que exprime uma concepção ou uma ideia abstracta (por exemplo, o mito de Prometeu, na obra de Platão, é sobre a origem da civilização e sobre a condição humana). Neste caso, mito pode ser sinónimo de metáfora.
Por outras palavras: o mito é uma formação noológica, quer seja principalmente imaginária e simbólica, quer seja principalmente ideológico-abstracta, que, embora podendo ser uma construção do espírito, adquire valor de realidade e/ou verdade.
A definição de "mito" comporta várias componentes e o mito pode tomar diversas formas, desde o relato fabuloso, à ideia-força da ideologia política. Ademais, o mito não pode entrar pura e simplesmente na alternativa verdadeiro / falso. Apesar de imaginário ou ideal, o mito não pode ser reduzido à ilusão, ao erro, à mentira.
3/ Para o Ludwig Krippahl, o filósofo é avesso às matemáticas, por exemplo:
«A marca "filosofia" tornou-se propriedade das humanidades, a quem desagrada a experimentação, a matemática, a estatística e a análise de dados. Com isto ficou mais permeável a tretas como religião, floreados, demagogias pós-modernas e afins.»
Por isso é que um dos grandes professores universitários de matemática em Oxford é filosofo e católico confesso (John Lennox). Poderia dar aqui dezenas de exemplos de cientistas de nomeada que não tratam a religião como “tretas” — mas não vale a pena: o Ludwig Krippahl é duro de ouvido. Há pessoas que não gostam de música (por exemplo, Freud era duro de ouvido) porque são duros de ouvido; não têm culpa disso.
4/ O Ludwig Krippahl confunde “técnicos”, por um lado, e “cientistas”, por outro lado:
«E a ciência, para a maioria dos seus praticantes, relegou para segundo plano a compreensão da realidade e tornou-se numa linha de montagem onde cada um só conhece a sua tarefa, maximiza a "produtividade" e é avaliado por coisas como indicadores bibliométricos de desempenho.»
Em ciência, existem os trabalhadores e os pensadores.
Para os trabalhadores (os técnicos) existem “livros de receitas”: até mesmo um físico medíocre, por exemplo, pode fazer um trabalho de primeira qualidade no laboratório, aplicando fórmulas sem ter em consideração toda a problemática científica e filosófica do seu campo de trabalho.
No manual de Metodologia das Ciências da Natureza de Herbert Pietschmann, distingue-se entre o físico trabalhador, por um lado, e o físico pensador, por outro lado:
“Os físicos trabalhadores que aplicam os métodos da física não têm quaisquer dificuldades em mecânica quântica. Porém, acontece frequentemente que nem sequer têm consciência das suas consequências de longo alcance para a questão da reprodução de uma 'realidade'. Os conflitos só surgem na tentativa de interpretação da forma como o método utilizado, sem qualquer problema na prática, descreve uma 'realidade'.”
Gribbin escreveu [John Gribbin (1984) “In Search of Schrödinger's Cat: Quantum Physics And Reality”]: “
(…) é precisamente por causa do grande êxito da equação de Schrödinger, como instrumento prático, que muitas pessoas foram impedidas de reflectir [filosoficamente] profundamente sobre a forma e a razão do funcionamento desde instrumento”.
5/ Voltando ao “progresso” [da ética], segundo o Ludwig Krippahl. Escreve (ele):
«Entender a filosofia como a procura racional por respostas, e a ética e a ciência como filosofia aplicada a questões acerca de como saber e agir, não só dá uma ideia mais completa do que é procurar a sabedoria como ajuda a resistir a muitos disparates.
Entre outros, a tese de que a ciência pode substituir a ética; que afirmações acerca da realidade ficam imunes à crítica científica se as rotularmos de filosóficas, metafísicas ou teológicas; que há diferentes níveis de realidade estudados pela fé, ciências ocultas, medicinas alternativas e outras confusões. Não é defesa garantida porque temos sempre de decidir sob incerteza. Mas, perante qualquer alegação acerca do que é ou deve ser, podemos sempre questionar se foi obtida por essa via racional.»
Num artigo que escrevi há anos, destruo completamente a argumentação do Ludwig Krippahl:
« A ética e a moral não podem ser definidas ou determinadas pela ciência.
A ideia de responsabilidade moral reside na experiência subjectiva, enquanto que a ciência só concebe acções determinadas pelas leis da natureza, e não concebe autonomia, nem sujeito, nem consciência e nem responsabilidade. A noção de “responsabilidade” é não-científica. A ética e a moral pertencem ao domínio da metafísica que se caracteriza pela falta de “bases objectivas” — aqui entendidas no sentido naturalista [naturalismo ≡ cientificismo metodológico].
Para tentar contornar esta realidade objectiva e insofismável que consiste no facto de a ciência não poder determinar a ética, a ciência transformou-se, ela própria, em uma forma de metafísica pura, para assim poder obter a legitimidade para opinar sobre a ética e sobre a moral. É assim que surgem as “teorias científicas” não refutáveis na sua essência, como por exemplo, a teoria do Multiverso, ou as teorias evolucionistas em geral [por exemplo, a teoria do epifenomenalismo de Thomas Huxley, que ainda hoje subsiste entre os darwinistas, evolucionistas e naturalistas].
Entrando pela metafísica adentro, a ciência — feita por cientistas que são, eles próprios, sujeitos — pretendeu redefinir a ética e a moral segundo princípios deterministas que “varriam” o sujeito, e estabelecendo apenas determinações, leis e estruturas [estruturalismo]. Neste sentido, a ciência pretende ser uma espécie de nova religião [imanente e política], cuja classe dos novos sacerdotes é composta principalmente pela classe dos cientistas. »
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