terça-feira, 10 de junho de 2014

Os Fundamentalismos

 

O termo “fundamentalismo” deriva de “fundamento”, que significa “o conjunto dos elementos racionais essenciais que servem de base a uma concepção, uma doutrina ou uma teoria”. O filósofo e o cientista, propriamente ditos, por exemplo, são fundamentalistas, na medida em que a investigação e o estabelecimento de fundamentos estão no centro da filosofia e da ciência.

Ou seja: fundar o que se afirma é produzir a sua justificação ou razão de ser. Segue-se que o “fundamentalismo” é, por definição, racional. Considerar o “fundamentalismo” como sendo irracional é uma contradição em termos. Dizer que “o fundamentalismo é irracional” é confundi-lo com a estupidez humana; e essa confusão (moderna) é, em si mesma, uma manifestação moderna e clamorosa da estupidez humana.

Por exemplo, quando um democrata convicto defende o sistema democrático baseando-se em fundamentos racionais, é um fundamentalista (da democracia). Podemos discutir se os fundamentos desse democrata estão (ou não) escorados na razão, na lógica e até no método científico; mas não podemos afirmar que ele não seja um fundamentalista, porque ele fundamenta-se racionalmente em elementos essenciais para afirmar as suas convicções e/ou mundividência.



A universidade de Chicago levou a cabo, entre 1988 e 1993, o Projecto Fundamentalismo, que se destinou a estudar aquilo a que estupidez moderna chama de “fundamentalismo” quando o confunde com “estupidez moderna”.

A universidade de Chicago não se deu conta de que, quando se estuda o fundamentalismo (seja o que for que este termo queira significar), quem o faz também é fundamentalista — porque se baseia em quaisquer fundamentos para estudar o putativo e alegado “fundamentalismo” dos outros. Por vezes vemos fundamentalistas a analisar e até a criticar os fundamentalismos dos outros, com uma diferença: parece que hoje há os “fundamentalismos bons” e os fundamentalismos maus: os bons são os fundamentalismos politicamente correctos, veiculados e propagados pelos me®dia vendidos à alta finança que controla a política; e os “maus fundamentalismos” são aqueles que ameaçam (racional- ou irracionalmente) os fundamentos do fundamentalismo politicamente correcto.

Os fundamentalistas do Projecto Fundamentalismo da universidade de Chicago identificaram nove características que, alegadamente, se verificam nos grupos fundamentalistas — com excepção do grupo fundamentalista do Projecto Fundamentalista da universidade de Chicago — a ver:

Reactividade à marginalização da religião

A reacção à marginalização, segundo os fundamentalistas do Projecto Fundamentalismo da universidade de Chicago, é uma característica exclusiva das religiões. Nunca vimos, por exemplo, um partido político reagir à sua marginalização. E se alguém marginalizasse ou até perseguisse os fundamentalistas do Projecto Fundamentalismo da universidade de Chicago, estes não reagiriam: pelo contrário, abraçariam os seus agressores em uma espécie de síndroma de Estocolmo.

Selectividade no que respeita às tradições e escritos da religião

Isto significa que todo o indivíduo ou grupo social que seja selectivo (ou seja: criterioso) no que diz respeito aos fundamentos éticos e/ou da sua identidade (pessoal ou colectiva), são (segundo os fundamentalistas do Projecto Fundamentalismo da universidade de Chicago) fundamentalistas. Em princípio — segundo os fundamentalistas do Projecto Fundamentalismo da universidade de Chicago — parece que os crápulas e os imorais não são fundamentalistas; mas só aparentemente, porque até os crápulas e os imorais também têm os seus critérios fundamentais, e por isso também são fundamentalistas.

Dualismo Moral

Segundo os fundamentalistas do Projecto Fundamentalismo da universidade de Chicago, quem defende que existe o bem e o mal, é um fundamentalista. Parece que as pessoas que dizem que não existe nem o bem nem o mal, não são fundamentalistas; ou seja, estas pessoas são fundamentalmente não-fundamentalistas, o que significa que são “fundamentalistas não-fundamentalistas”.

Absolutismo e infalibilidade

Segundo os fundamentalistas do Projecto Fundamentalismo da universidade de Chicago, toda a pessoa que, em qualquer circunstância da sua vida, diga que tem a “certeza absoluta” de alguma coisa, é um fundamentalista. Só não é fundamentalista quem não tem a certeza de nada, como por exemplo, uma ameba ou um verme. Verificamos que os fundamentalistas do Projecto Fundamentalismo da universidade de Chicago reivindicam, para si próprios, o exclusivismo do fundamentalismo.

Milenarismo e messianismo

Segundo os fundamentalistas do Projecto Fundamentalismo da universidade de Chicago, o Milenarismo e o messianismo são características exclusivas das religiões — o que significa que os defensores da teoria do Aquecimento Global, por exemplo, não são nem milenaristas apocalípticos, nem são Messias da Escatologia. Isto significa, também, que quem fala (alegadamente) em nome da ciência, dizendo o que quer que seja, nunca é um fundamentalista.

Eleição dos membros

Segundo os fundamentalistas do Projecto Fundamentalismo da universidade de Chicago, os fundamentalistas consideram-se uma elite. Mas este critério não se aplica, por exemplo, aos militantes dos partidos políticos, que também se consideram uma elite mas já não são fundamentalistas. Segundo os fundamentalistas do Projecto Fundamentalismo da universidade de Chicago, só existe “elitismo” nas religiões.

Liderança carismática e autoritária

O carisma e a autoridade na liderança são entendidos como “fundamentalismos”. Só não é fundamentalista quem não lidera nada e anda na vida para “ver passar a banda”. Por exemplo, e segundo os fundamentalistas do Projecto Fundamentalismo da universidade de Chicago, um indivíduo que sofreu uma lobotomia frontal não é fundamentalista, e por isso é desejável que o seres humanos sofram todos uma qualquer espécie de lobotomia, física e/ou ideológica, para que percam quaisquer resquícios de carisma e de capacidade de liderança.

Requisitos comportamentais

Segundo os fundamentalistas do Projecto Fundamentalismo da universidade de Chicago, os fundamentalistas regem-se por uma ética de conduta. Por exemplo, um indivíduo que anda a tomar no cu pelas esquinas, dando a uns e a outros, não é um fundamentalista — é, pelo contrário, um não-fundamentalista e, por isso, actua de forma politicamente correcta. Portanto, o ideal — segundo os fundamentalistas do Projecto Fundamentalismo da universidade de Chicago — é que as regras de conduta sejam abolidas, para que deixe de existir qualquer tipo de fundamentalismo, com excepção dos fundamentalistas que pretendem abolir quaisquer regras de conduta que não sejam as suas.

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