Sobre a acomodação dos historiadores, Raquel Varela alarga a questão:
"Muitos intelectuais tornaram-se convenientes. Acho que o seu papel é ser contrapoder, seja qual for o poder. Não interessa o regime político ou se o intelectual o apoia ou não".
Daí que assista desconfiada ao "fenómeno comum no século XX da captação dos intelectuais pelos diversos regimes políticos". Acrescenta:
"Tanto vale para Pablo Neruda a dedicar poemas a Estaline como para intelectuais de renome em Portugal que apoiaram toda a onda de privatizações e o desmantelamento do estado social. Os exemplos dos intelectuais seduzidos pelo poder são comuns".
Quanto às elites culturais portuguesas é sintética: "Falta solidez em diversas áreas da cultura e do pensamento intelectual e há uma regressão muito grande".
Raquel Varela refere-se aos “intelectuais”, mas não temos nessa referência uma noção ou uma definição real de “intelectual”. No dicionário podemos encontrar uma definição nominal de “intelectual”: “pessoa dada ao estudo; pessoa de grande cultura”. Mas ficamos sem saber o que é exactamente uma “pessoa de grande cultura”.
Desde logo, “intelectual” deriva de “intelecto”, que é um termo da Escolástica para significar “espírito” ou “inteligência” e em oposição à razão puramente discursiva (por exemplo, em oposição ao discurso político corriqueiro). Aqui, Raquel Varela tem razão: quando o discurso político se baseia exclusivamente na doxa (na maior parte das vezes), o intelecto ou o intelectual opõe-se a ele através do episteme.
Para que o intelecto ou o intelectual se baseie no episteme no sentido de se opôr à doxa da razão puramente discursiva, necessita do “entendimento”, que se pode traduzir neste caso por “cultura individual”.
A “cultura individual” pode ser definida como a capacidade de compreender a realidade do presente (episteme) em vez de a classificar através da simples opinião (doxa) — o que pressupõe que se tenha assimilado a herança do passado, por um lado, e por outro lado que se tenha ultrapassado o âmbito comezinho dos interesses particulares.
Ora, o que se passa em Portugal é que vivemos já em uma sociedade de cultura presentista (conforme denuncia, e bem, o José Pacheco Pereira), e as elites, em geral, preocupam-se quase exclusivamente com os seus interesses particulares.
Portanto, em geral e salvo excepções honrosas, não temos intelectuais em Portugal. O que existe em Portugal é “intelectualismo”, que é a tendência para adoptar soluções para os problemas sem o necessário contacto com a vida das pessoas e/ou sem a necessária aderência à realidade.