quarta-feira, 13 de agosto de 2014

A socióloga Elisabete Rodrigues volta a escrever “coisas”

 

“Anda muita gente preocupada com o insucesso escolar dos rapazes. Os mais alarmistas consideram que passámos, em poucas décadas, de um extremo para o outro. A verdade é que se há algumas gerações atrás não era raro que apenas os filhos homens fossem à escola, hoje são as mulheres que têm mais estudos.”

As mulheres são mais inteligentes?

No tempo em que os homens estudavam e as mulheres não o faziam com tanta frequência, não poderíamos afirmar que “os homens eram mais inteligentes do que as mulheres” — desde logo porque há vários tipos de inteligência1: por exemplo, a inteligência lógica-matemática, a inteligência espacial (a capacidade de manipular na mente imagens de objectos), a inteligência linguística, a inteligência física e cinestésica (a capacidade de movimentar de forma coordenada), a inteligência pessoal (capacidade de entendimento com outras pessoas), a inteligência musical.

Portanto, antes de falar em “inteligência”, é preciso saber de que tipo de inteligência estamos a falar.

Por outro lado, é falacioso que se diga, por exemplo, que “na Idade Média as mulheres estudavam menos do que os homens”, pura e simplesmente porque 99% dos homens daquela época ou eram analfabetos ou analfabetos funcionais. E muitas mulheres medievais tiveram acesso ao Trivium e ao Quadrivium nos conventos de freiras católicas, coisa que a esmagadora maioria dos homens da época não tinha acesso. A diferenciação real entre homens e mulheres no acesso à escolaridade universal teve início na Idade Moderna.

Uma mulher especialista em uma determinada área — por exemplo, em medicina — não é necessariamente mais inteligente (falamos da inteligência lógica-matemática, que é a mais “badalada”) do que um dono de um quiosque em Queijas. A socióloga Elisabete Rodrigues está subliminarmente a induzir uma confusão entre “estatuto social”, por um lado, e “inteligência”, por outro lado.

Nestes assuntos dos sexos, temos que seguir um juízo universal sem cair na falácia da generalização. Referindo-se a dois irmãos, em que ela é médica e ele é dono de um quiosque, a socióloga Elisabete Rodrigues escreve o seguinte:

“A diferença está na socialização de género, pois ambos tinham um quociente de inteligência elevado”.

Ou seja, segundo a socióloga Elisabete Rodrigues, a rapariga/mulher tem um alvará de inteligência, e o irmão dela não tem. A inteligência parece, hoje, ser medida mediante um alvará concedido por uma qualquer universidade. Mas se o irmão conseguir, eventualmente e no futuro, ser proprietário de uma rede nacional de quiosques, já ninguém se lembrará da narrativa politicamente correcta da socióloga Elisabete Rodrigues acerca do alvará de inteligência da rapariga.


Quando a socióloga Elisabete Rodrigues fala em “socialização de género”, quer dizer o seguinte: se o rapaz fosse educado como a irmã foi educada (educação efeminada aplicada ao rapaz), teria mais possibilidades de conseguir um alvará de inteligência emitido por um qualquer universidade; e, por isso, teria direito a um estatuto social superior.

Como acontece com todas as teorias, esta da socióloga Elisabete Rodrigues parte de um axioma.

Pierre Duhem demonstrou, no princípio do século XX, que o cientista — e mesmo sabendo nós que a sociologia não é uma ciência exacta! — interpreta as verificações científicas invariavelmente com o auxílio de alguma teoria. Ou seja, perante os factos, há sempre uma teoria que os interpreta. O que interessa ao cientista não é apenas que o ponteiro de um instrumento de medição esteja, por exemplo, em 3,5: tal observação só tem valor se estiver em conjugação com uma interpretação do seu significado.

Além disso, tal como Duhem reconheceu, mesmo nas ciências naturais (exactas, o que a sociologia não é!), o cientista sabe que o instrumento que usa tem um erro finito experimental. Por exemplo, se se lê num manómetro “3,5”, e se o limite de erro experimental é de 0,1 atmosfera, então segue-se que qualquer pressão entre 3,4 e 3,6 atmosferas é coerente com esta leitura. Portanto, mesmo nas ciências exactas não há certezas nas medições.

Por outro lado, e continuo a falar de Duhem, uma teoria consiste em um sistema axiomático e em “regras de correspondência” que permitem a dedução de leis e a interpretação dos factos que dá origem à teoria. No caso concreto da teoria da socióloga Elisabete Rodrigues, o axioma de que ela parte é o de que um curso universitário — o tal “alvará de inteligência” — é a condição do sucesso profissional e de estatuto social elevado. É baseando-se neste axioma que ela interpreta os factos e constrói a sua (dela) teoria acerca da putativa “injustiça da condição feminina face ao domínio do homem”.

Mas se hoje se pode aplicar (com reservas) o axioma da socióloga Elisabete Rodrigues, não há nenhuma garantia de que esse axioma seja razoável no futuro: lembro, a título de exemplo, que Albert Einstein não tinha um curso universitário: tinha apenas o grau de bacharel tirado em uma escola politécnica na Suíça. Segundo a teoria da socióloga Elisabete Rodrigues, Albert Einstein seria intelectualmente inferior à menina que hoje é médica em Coimbra.

Nota
1. “The Mind's New Science”, Howard Gardner, 1985

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