“Ser mãe e casada é um trabalho a tempo inteiro”. — Petula Clark, cantora e octogenária (via)
Portugal terá que construir uma nova sociedade, se quiser continuar a existir como nação e como país. A alternativa a essa nova sociedade é a extinção não só do país enquanto geografia, mas também e principalmente dos valores que nortearam a existência histórica da Nação Portuguesa.
Para que essa “nova sociedade” possa ser concebida, Portugal terá que se desligar — pelo menos parcialmente — da cultura da actual Europa mediante uma nova forma de conceber a sociedade; esta nova concepção da sociedade não é de esquerda ou de direita: está para além da esquerda e da direita.
Agostinho da Silva enganou-se quando afirmou que, com a adesão de Portugal à União Europeia, “os portugueses terão que ser os enfermeiros desta Europa (doente)”, porque em vez de “curar” a Europa, os portugueses foram contaminados pela doença europeia.
Talvez a forma de os portugueses contribuírem para “curar a Europa” seja desligando-se dela. A nível europeu — ou seja, a nível da Europa dos 27 países — não se pode esperar qualquer mudança real, não só porque a União Europeia não é uma nação mas antes é um conglomerado de muitas nações, mas também porque a governança da União Europeia é baseada em uma burocracia pesada que muitas vezes contraria as realidades nacionais. O princípio da subsidiariedade, aplicado à União Europeia, é um sofisma; a União Europeia é um leviatão em construção.
“Desligar-se da Europa” é, de um só golpe, desligar-se do maniqueísmo político do século XX que opôs o marxismo ao liberalismo, e vice-versa. Esse maniqueísmo incide essencialmente na forma de organização da economia e do trabalho, porque, em termos antropológicos, as duas correntes ideológicas estão fundamentalmente de acordo — por exemplo, na forma como são concebidas as relações entre o homem e a mulher na cultura antropológica. Ir para além do marxismo e do liberalismo é recusar a coincidência da antropologia de ambas as correntes ideológicas — a marxista, por um lado, e a liberal que se transformou no actual neoliberalismo, por outro lado.
Estar “para além da esquerda e da direita” não significa que ambas tenham sido “ultrapassadas” dialecticamente (Hegel) através de uma nova “síntese”. Significa, antes, a recusa de Hegel através da afirmação do Direito Natural no Direito Positivo (a afirmação da imutabilidade dos fundamentos da natureza humana — Eric Voegelin), por um lado, e, por outro lado, quebrar o ciclo infernal do movimento triádico hegeliano mediante o reconhecimento objectivo e político dessa imutabilidade.
Os marxistas e os liberais estão de acordo em relação ao estatuto e ao papel da mulher na sociedade: ela deve trabalhar fora de casa; e se ela não trabalha fora de casa, segue-se que ela está a ser “oprimida” — mesmo que a mulher não se sinta “oprimida” trabalhando em casa e cuidando da sua família.
Todo o edifício económico, cultural e social, marxista e/ou neoliberal, assenta no pressuposto da “libertação” da mulher através do trabalho na fábrica. Marxistas e neoliberais estão de acordo acerca do papel da mulher na sociedade. Por isso é que as duas ideologias estão de acordo em relação ao aborto, por exemplo — sendo que o neoliberalismo ainda consegue ser mais destrutivo do que o marxismo: na medida em que se baseia no individualismo exacerbado, o neoliberalismo não oferece uma solução social e cultural para o problema da família.
A “nova sociedade” não significa o retorno à sociedade medieval — este é o argumento de marxistas e neoliberais: “se a mulher deixar de ter a obrigação de trabalhar na fábrica, isso significaria o retorno à Idade das Trevas”.
Pelo contrário, significa que o trabalho doméstico da mulher/mãe passaria a ser reconhecido pelo Estado e valorizado como tal na cultura antropológica. Uma mãe em casa teria um prestígio equivalente ao de uma engenheira ou de uma médica: não só porque o Estado reconheceria essa equivalência estatutária através de legislação adequada que protegesse o estatuto da mulher/mãe, mas também porque seria promovida uma valorização da função da mulher na cultura antropológica.
Em vez de a mulher imitar o homem — como acontece com o marxismo e com o neoliberalismo —, ela teria teria a sua identidade bem definida e protegida pela sociedade e pela cultura.
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