quinta-feira, 27 de novembro de 2014

A pseudo-ciência da investigadora Ana Cristina Santos da Universidade de Coimbra

 

Há que ver a diferença entre ciência, por um lado, e a moda, por outro lado. Quando essa diferença não é feita, não estamos a falar de ciência, mas de pseudo-ciência. A ciência não anda ao sabor da moda, embora esteja condicionada por paradigmas. Uma das funções da filosofia é justamente a de vigiar a ciência, fazer-lhe a crítica, no intuito de impedir que a ciência se transforme em pseudo-ciência.

Neste texto publicado no jornal Púbico, uma tal Ana Cristina Santos, que dizem ser socióloga investigadora da Universidade de Coimbra, e resumindo, fala-nos basicamente do conceito actual de “autonomia” que consiste na adulteração actual e ignara do princípio de autonomia de Kant. Mas, antes de mais, vamos falar um pouco sobre a sociologia e/ou as chamadas “ciências sociais e humanas”.


A sociologia da Ana Cristina Santos baseia-se naquilo a que Karl Popper chamou de “naturalismo incorrecto das ciências sociais” ou “cientificismo metodológico”, que consiste no mito segundo o qual se exige que as ciências sociais recorram ao método das ciências da natureza para aprenderem o que é o método científico. Este naturalismo incorrecto estabelece algumas exigências; por exemplo: partir de observações ou/e medições como levantamentos estatísticos; prossegue, depois, indutivamente para generalizações e elaboração de teorias, tentando assim uma aproximação ao ideal da objectividade científica própria das ciências da natureza.

Ignora-se que é muito mais difícil — se é que é possível! — conseguir uma idêntica objectividade nas ciências sociais e nas ciências da natureza, uma vez que a objectividade implica despojamento de valores, e a socióloga só em casos muito raros consegue libertar-se das valorações da sua própria camada social, por forma a poder avançar no sentido de uma independência valorativa da objectividade.

Portanto, sob a capa de uma objectividade científica que não existe, a socióloga Ana Cristina Santos tece considerações que pertencem menos à ciência do que à pseudo-ciência. O que ela faz é juízos pessoais de valor que não fazem parte da ciência mas antes pertencem à ética e/ou à metafísica.


Voltamos agora ao princípio de autonomia de Kant e ao conceito actual de “autonomia”.

Pergunta: ¿uma mulher tem o direito de não querer ter filhos? Claro que tem! Sempre teve. Por exemplo, na Idade Média, muitas mulheres escolhiam a vida religiosa que impedia a procriação. Mas não só: muitas mulheres das classes mais altas, ao longo da História, optavam pelo celibato aparente.

feminismo actual webMas o direito de uma mulher ou homem a não ter filhos é um direito negativo. Um direito positivo está directamente relacionado com um dever e/ou obrigação moral e mesmo legal (em alguns casos); um direito negativo está relacionado com a não-interferência de uns em relação aos direitos de outros.

Por isso, quando uma mulher decide não ter filhos, está a exigir da sociedade (dos outros) o direito a uma não-interferência (da sociedade) em relação à sua decisão; recusando um dever (o de ter filhos que contribui para a continuidade da sociedade), ela exige que esse seu direito negativo seja respeitado pela sociedade.

Um direito negativo pode ser compensado com um direito positivo: por exemplo, uma mulher pode escolher não ter filhos mas dedicar parte da sua vida a educar as crianças dos outros: assim, compensa o direito negativo com um direito positivo. Do ponto de vista cultural, social e ético, o importante é que os direitos negativos sejam equilibrados com direitos positivos.

A autonomia da pessoa  (seja mulher ou homem) pressupõe a liberdade no sentido negativo (o tal direito negativo do cidadão), por um lado, e por outro lado pressupõe também a liberdade no sentido positivo (o tal direito positivo do cidadão enquanto legislador). Porém, a narrativa do pasquim Púbico e da socióloga Ana Cristina Santos só concebe a liberdade no sentido negativo e o direito negativo. Ou seja, o conceito de “autonomia” é propositadamente adulterado no sentido de valorizar uma cultura sociopata. Portanto, o problema colocado pela socióloga Ana Cristina Santos é ético, e não propriamente científico.


“Apesar de há décadas ter sido conseguida, através da medicina, a separação entre sexualidade e reprodução, a verdade é que essa separação, em termos culturais, não se deu na sua totalidade”

(…)

“A primeira é a desnaturalização do sexo (que não tem de ser reprodutivo) e a segunda é a desnaturalização, também, dos papéis de género atribuídos às mulheres.”

Ana Cristina Santos.

O conceito de “desnaturalização do sexo” é contraditório nos seus próprios termos. É delírio interpretativo. Não se pode desnaturalizar uma coisa que pertence à natureza; e mesmo as intervenções artificiais do Homem, são artificiais apenas aparentemente, porque mesmo as intervenções humanas na natureza são regidas por leis naturais. O Homem não pode fugir às leis da natureza — nem mesmo quando envia uma sonda a Marte!

A socióloga Ana Cristina Santos incorre em uma série de falácias: por exemplo, a ideia segundo a qual “através da medicina”, se consegue “a separação entre sexualidade e reprodução”. Seria como se disséssemos que “a medicina erradica e cura uma gripe”, quando na verdade a medicina apenas trata uma gripe, e esta pode ressurgir mais tarde. Mesmo a varíola, que já foi “erradicada” na maior parte do mundo, pode ressurgir a qualquer momento.

A medicina não cura; a medicina trata.

Em boa verdade, a separação de facto entre a sexualidade e a reprodução é uma impossibilidade objectiva, e só uma pessoa em delírio pode conceber essa ideia. Essa separação é cultural, e não é biológica nem “natural”. Não é legítimo que a socióloga Ana Cristina Santos invoque a natureza para justificar um fenómeno cultural: ela incorre simultaneamente em duas falácias lógicas: a falácia do apelo à natureza, por um lado, e a falácia naturalista, por outro lado.

1 comentário:

  1. Esse artigo do Público e os comentários subjacentes são uma demonstração limpa do novo imbecil colectivo: um monte de gente extremamente egoísta a precisar que lhes passem a mão no pelo, para se sentirem melhor com a sua porca vida. Ana Cristina Santos não é socióloga, é "engenheira social". Eu pergunto-me onde é que isto vai parar e em que tipo de país vão nascer os meus filhos.

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