sábado, 21 de março de 2015

Ou se é liberal ou não

 

Quando os liberais (de Direita) da nossa praça são confrontados com a Lista Fiscal VIP, entram em dissonância cognitiva — como acontece com a Helena Matos.

Os liberais fundamentam o seu conceito de “igualdade” na igualdade perante a lei que se opõe aos privilégios — o que não significa que todos tenham o mesmo Poder ou as mesmas características, mas significa que todos têm uma dignidade igual.

Ora, raciocinando como um liberal, diria eu que, por exemplo, o primeiro-ministro tem uma dignidade igual ao Zé da Esquina. Por isso, o primeiro-ministro tem o mesmo direito do Zé da Esquina a não ver a sua vida privada — neste caso, fiscal — vasculhada e divulgada na praça pública. E é em nome dessa putativa igualdade na dignidade que a Helena Matos defende a ideia de que deveria haver uma Lista Fiscal VIP, para assegurar que o primeiro-ministro tenha os mesmos direitos que o Zé da Esquina tem.

Ora, aqui é que está o sofisma da Helena Matos: é que o Zé da Esquina não tem qualquer garantia ao direito de não ter a sua vida fiscal vasculhada; a diferença é que o vasculho não sai publicado nos jornais — e portanto ela mistura aqui dois planos diferentes do problema: o vasculho propriamente dito, de que ninguém está livre neste país, por um lado, e a publicação do vasculho que atinge as figuras públicas. Mas não é porque o Zé da Esquina não é figura pública que o vasculho se torna justificado.

O vasculho da vida fiscal privada do Zé da Esquina traduz-se, por exemplo, no acesso a ficheiros do fisco por parte de entidades privadas — que não pertencem ao Estado — na cobrança de dívidas, devidas ou indevidas; e como o acesso aos tribunais é caro, o vasculho fiscal da vida do pobre Zé da Esquina traduz-se numa cobrança coerciva, com ou sem razão; ou então o vasculho fiscal generalizado permite que uma entidade privada possa obter informações acerca da vida fiscal privada de um candidato a seu empregado: o que é preciso é ter alguém amigo na repartição de Finanças para fornecer a informação.

Ou seja, a filosofia política liberal não deveria permitir que existisse qualquer tipo de vasculho; ou então, toda a gente tem o direito a ser vasculhada. Mas não é isto que a Helena Matos defende.

Numa sociedade sem uma tradição democrática forte; em que ainda existem fortes resquícios estalinistas na política; em que a maçonaria se transformou em uma associação de malfeitores que mina a política e que sustenta, em grande parte, o tráfico de influências; em que os me®dia que temos fomentam, no povo, todos os dias, uma cultura da coscuvilhice e da inveja — nesta sociedade não há liberalismo político que aguente. Ou então, a ser-se coerentemente liberal, mesmo na merda da sociedade que temos, há que correr o risco de não admitir qualquer Lista Fiscal VIP.

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