sexta-feira, 10 de abril de 2015

A infalibilidade do papa e o princípio da não-contradição

 

O leitor José Lima deixou o seguinte comentário a este verbete:

“O Orlando que parece desconhecer a diferença que a doutrina católica estabelece entre o magistério extraordinário e o magistério ordinário do Papa:

a) o primeiro é sempre infalível e, portanto, irreformável e insusceptível de oposição - por exemplo, o Papa Pio XII definiu que Nossa Senhora ascendeu ao Céu em corpo e alma e nenhum fiel pode doravante sustentar doutrina contrária;

b) o segundo presume-se infalível se conforme à tradição da Igreja, isto é, insisto, se em concordância com o que a Igreja sempre ensinou; caso contrário, perde essa presunção e portanto, nesse caso, é susceptível de resistência por parte dos fiéis, sendo neste âmbito concreto que recai a doutrina de São Roberto Belarmino de resistência à autoridade papal (e antes de São Roberto Belarmino, de São Tomás de Aquino, e antes de São Tomás de Aquino, de Santo Atanásio, e antes de Santo Atanásio, de São Paulo).

De uma vez por todas, perceba-se que o magistério extraordinário do Papa tem um âmbito de aplicação muitíssimo restrito e que no seu magistério ordinário, ainda que goze de presunção de infalibilidade na condição supra referida de conformidade à tradição da Igreja, o Papa não é inerrante, algo bem diferente de ser infalível. E isto é a doutrina católica tradicional e não uma chapelaria qualquer…”

Quando o papa Pio IX (através do Concílio do Vaticano I) instituiu o dogma da infalibilidade papal, a Igreja Católica arranjou um problema de todo o tamanho (ver aqui o contexto histórico em que o dogma da infalibilidade papal foi instituído).

Quem estudou Religião Comparada sabe que não é o clero que institui dogmas: ou os dogmas existem desde a fundação ou revelação da religião, ou não são dogmas propriamente ditos. O sacerdócio não faz dogmas (o papa é, em primeiro lugar, um sacerdote), embora preserve os que estavam feitos em função da revelação da religião; ¿como é possível discutir com uma pessoa que não percebe isto?!

Quando o sacerdócio passa a instituir dogmas novos, não estamos perante uma religião propriamente dita, mas antes perante uma religião política.

Para resolver o problema de uma coisa não poder ser, e simultaneamente não-ser, a Igreja Católica modernista de finais do século XIX dividiu o magistério do papa em dois: o extraordinário e o ordinário. O magistério extraordinário do papa é infalível, mas o ordinário já não é. Ora, a verdade é que este magistério esquizofrénico do papa não existia na Igreja Católica antes de 1870.

O irónico nisto é que o papa Pio IX estabeleceu a sua própria infalibilidade papal — juiz em causa própria. Só falta agora o "papa Francisco" instituir o dogma da sua própria canonização: o papa eleito passa a ser automaticamente canonizado!. ¿Será que os "católicos fervorosos" não se dão conta do absurdo?

Repare bem, caro leitor:

Jesus Cristo não precisou de afirmar de Si Próprio que era infalível, porque não era preciso afirmar tal coisa: só se considera infalível quem é falível; um Ser infalível não precisa de o afirmar publicamente. Nem precisou, Jesus Cristo, de afirmar dois magistérios distintos em relação à Sua Pessoa.

Do primeiro papa, o apóstolo Pedro, não consta nos escaninhos que alguma vez tivesse dito que era infalível. Mas são estes os "católicos fervorosos" que dizem que eu não entendo nada do assunto — assim como, na década de 1980, os marxistas que traziam o Das Kapital debaixo do braço diziam que eu era ignorante.

É uma questão de antolhos e de cartilha.

2 comentários:

  1. O Orlando afirma e conclui peremptório:

    Quem estudou Religião Comparada sabe que não é o clero que institui dogmas: ou os dogmas existem desde a fundação ou revelação da religião, ou não são dogmas propriamente ditos. O sacerdócio não faz dogmas (o papa é, em primeiro lugar, um sacerdote), embora preserve os que estavam feitos em função da revelação da religião; ¿como é possível discutir com uma pessoa que não percebe isto?!

    Porém, eu no primeiro comentário que fiz ao artigo sobre “A teoria dos chapéus” escrevi o seguinte:

    (…) d) por a função do Papa não ser ensinar novidades, mas antes receber, defender e transmitir o conjunto das verdades de fé e moral de que a Igreja é fiel depositária, e, neste âmbito, porventura explicitá-las e clarificá-las através do seu magistério infalível, mas jamais negá-las ou contradizê-las;

    Enjeito, pois, o alvará de imbecilidade com que o Orlando me tentou afifar.

    Sem prejuízo, sempre acrescentarei que todos os dogmas do Catolicismo estão contidos na Revelação Cristã; porém, essa contenção na Revelação não tem necessariamente de ser explícita desde o início do Catolicismo mas apenas implícita, cabendo portanto às autoridades religiosas, através do seu magistério, explicitar os dogmas que se encontravam antes apenas implícitos, expressando de forma perfeita o que dantes era apreendido de modo apenas imperfeito. Isto não quer dizer que o dogma evolua, mas antes que se desenvolve organicamente, isto é, sem sofrer rupturas ou contradições com o que foi crido no passado, expressa a crença - repito - de forma perfeita onde antes era expressada de forma apenas imperfeita.

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    1. Não é uma questão de imbecilidade. É uma questão de não querer ver. O imbecil não vê por natureza; outra coisa é ver e não querer reconhecer a evidência. Chame-lhe tudo o que quiser menos imbecilidade.

      Eu vou escrever um texto sobre a Contra-Reforma e sobre o Concílio de Trento, em que não saiu dele qualquer novo dogma apesar da fase crítica da Reforma. O sacerdócio não cria novos dogmas em uma religião, a não ser que a religião se transforme em uma ideologia política. Isto foi bem estudado e é um facto antropológico.

      Mas no Concílio do Vaticano I, saíram novos dogmas. Não é por acaso que Pio IX — que, aliás era bem conhecido por ser de esquerda e progressista — demorou mais de um século a ser beatificado. Se você verificar a história de Pio IX, verificará que ele tinha pouco de tradicionalista, no sentido dos papas anteriores a ele.

      A ideia segundo a qual “todos os dogmas do Catolicismo estão contidos na Revelação Cristã” é extraordinária, porque inverte as causas e os efeitos, transfere para o futuro a adequação habilidosa de qualquer dogma novo que venha ser criado, por um lado, e por permite que qualquer dogma novo seja instituído quase discricionariamente.

      Eu vou repetir: o sacerdócio não cria novos dogmas! É um absurdo o que você escreveu. Isso não é religião, o que você defende: é uma ideologia política.

      A ideia sua, segundo a qual existe progresso na Igreja Católica, é modernista e revolucionária — quando você diz: “expressando de forma perfeita o que dantes era apreendido de modo apenas imperfeito”. A sua visão da Igreja Católica é hegeliana, o que é uma contradição em termos. O progresso não é uma lei da natureza, e dizer que a Igreja Católica de hoje é mais perfeita do que a Igreja Católica da patrística, por exemplo, é uma estupidez. Não é imbecilidade: é estupidez.

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