segunda-feira, 19 de outubro de 2015

O líder do PAN (Pessoas-Animais-Natureza) e o conceito de 'pessoa'

 

“O que é que define uma pessoa? A capacidade de pensar, a capacidade de sentir e a capacidade de interagir. Se sairmos do paradigma antropocêntrico, vamos perceber que há características mais humanas num chimpanzé ou num cão do que numa pessoa que está em coma, por exemplo. A capacidade de interacção é superior”.

líder do partido PAN (Pessoas-Animais-Natureza)via

Vivemos tempos difíceis, porque os cargos políticos estão a ser ocupados por gente ignorante, sem formação. Para “desmontarmos” analiticamente este tipo de argumentos politicamente correctos temos que recorrer à lógica e à metafísica — embora o senso-comum do cidadão normal utilize o bom-senso que a classe política, em geral, já não tem. Estamos entregues a uma classe política medíocre.

O que me surpreende é a contradição da Esquerda (que inclui uma parte do Partido Social Democrata), que se caracteriza por uma visão não-utilitarista em relação à economia (mais ou menos contra o cálculo económico do capitalismo), mas por outro lado adopta o utilitarismo na ética (alegadamente, uma pessoa em coma é menos humana do que um cão). A actual Esquerda aposta todas as fichas na promoção da dissonância cognitiva no povo através de contradições em catadupa.

Esta contradição é difícil de perceber pelo cidadão vulgar, e por isso é que a Esquerda actual é ainda mais perigosa do que a estalinista (porque estes eram minimamente coerentes com a sua doutrina e dogmas: não enganavam ninguém).

Os valores começam onde o cálculo acaba, porque o que conta realmente, para nós, são as coisas que não trocamos por outras (Roger Scruton). Não é possível ser não-utilitarista na economia e ser utilitarista em ética.

O utilitarismo teve origem no positivismo; andam de mãos dadas. Positivismo é sinónimo de cientismo. A Esquerda, para além de adoptar o positivismo  / cientismo, vê a espécie humana (excepto eles próprios, que são excepções à espécie) à luz do behaviourismo.


¿O que define o André Silva? ¿Será que o André Silva é definido, apenas e só, pelo que ele é hoje? ¿Será que o André Silva de há 20 anos não era o André Silva?

Toda a gente sabe que o André Silva de há 20 anos também era o André Silva.
E ¿o André Silva é livre porque interage? ¿Ou interage porque é livre?

Se o André Silva é livre porque interage, então ele é tão livre como um cão. Eu prefiro dizer que interajo porque sou livre — o que diferencia a pessoa, por um lado, e o cão, por outro lado. É a liberdade, e não a interacção em si mesma, que entra na definição de pessoa, liberdade que não faz parte da definição de um cão. Uma das características do positivismo (e do esquerdismo) é o determinismo aplicado ao ser humano (aplicado aos outros, mas não à elite de que eles julgam fazer parte).


Já vimos que o André Silva de há 20 anos também era o André Silva.

Para sabermos por que razão o André Silva de há 20 anos também era o André Silva, temos que falar nos conceitos de “substância”, acidente e “essência”. Nicolau de Cusa [“A Douta Ignorância”] escreveu o seguinte : “O número abrange todas as coisas que podem ser colocadas em uma relação proporcional entre si. Por conseguinte, o número não se encontra só na quantidade, mas também em tudo o que se pode distinguir na substância”. Na linguagem medieval, a substância é tudo aquilo que constitui o “lado interior” das coisas ou dos seres humanos. Mas — continua o Cusano — “a essência dos objectos, a qual constitui a verdade das coisas existentes, é inacessível na sua pureza”. Portanto, vemos como Nicolau de Cusa distingue “substância”, por um lado, e “essência”, por outro lado.

Mas para percebermos realmente a diferença entre “essência” e “substância”, temos que ter a noção de “acidente”, que designa uma “particularidade segunda” relativamente a um objecto, na medida em que aparece e desaparece ao mesmo tempo que ele – por exemplo, o facto de um tecido ser verde ou azul; ou o facto de uma folha de árvore ser verde e passar a vermelha. Estes dois exemplos mostram que há "acidentes artificiais" e "acidentes naturais". Os acontecimentos da vida humana não passam dos “acidentes” do indivíduo vivo – por exemplo, a minha visita a Paris é um “acidente” da minha vida – mas as características físicas de Paris também se constituem em “acidente”.

A “substância” de um indivíduo altera-se por via do “acidente”; a “essência” de um indivíduo não é modificada pelo “acidente”.

Ou seja, o facto de o André Silva ser líder do PAN (Pessoas-Animais-Natureza) é um “acidente”; a diferença entre o André Silva de hoje e o André Silva de há 20 anos é uma diferença de “substância” (diferença substancial); e a “essência” do André Silva é eterna, é sempre a mesma desde que ele nasceu até que morra.

A “essência” de um ser humano é universal e simultaneamente individual. Nicolau de Cusa diz ao seu amigo: “Tudo aquilo que é universal, geral e especial, 'julianiza-se' em ti, Júlio...” A palavra “julianizar” exprime que a universalidade de um verbo, por um lado, e a particularidade de um nome, por outro lado, podem ser associados em uma espécie de código que constitui a “essência” de uma pessoa, de um animal ou de uma qualquer coisa.

A essência do André Silva é eterna porque única e irrepetível. A “substância” do André Silva muda ao longo da sua vida em função de factos “acidentais”. Mesmo que a “substância” do André Silva mude e ele se encontre “acidentalmente” em estado-de-coma, a sua “essência” (como ser humano em geral, e como a pessoa particular André Silva) não muda.

A eternidade é aquilo que engloba o passado, o presente e o futuro. E a essência de um objecto é eterna, porque única e irrepetível.

Depois de Teseu ter morto o Minotauro, os atenienses acolheram o seu navio. Quando uma peça de madeira do navio apodrecia, substituíam-na por outra. E apesar de muitíssimas reparações, o navio continuou sempre a ser o “navio de Teseu”. Os filósofos perguntaram-se se, no fim, quando todas as peças de madeira do navio tivessem sido substituídas, o navio não seria completamente diferente do navio de Teseu. Se se tivessem guardado as velhas peças de madeira, montando-as em um outro lugar, esse navio também seria o navio de Teseu. Ou seja, seria neste caso uma duplicação do navio dentro do espaço, permanecendo contudo inalterável dentro do tempo!

A essência do navio de Teseu é a informação (código individual) que está contida nele, e que existe em um estado não-físico e intemporal. A essência do André Silva é a informação (código individual) que está contida nele, e que existe em um estado não-físico e intemporal.

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