O Frei Bento Domingues pega em um trecho do Evangelho de S. Lucas (4,16 a 4,29), elimina a maior parte do texto e reinterpreta o restante (o que ele citou) a seu bel-prazer.
O problema não está na interpretação, entendida em si mesma, que pode ser discutida; o problema é o recorte “à medida” do texto, para que sirva um propósito ideológico distinto daquele que está plasmado no texto original.
O texto completo (de 16 a 29) retrata a psicologia da rejeição, que existe e existiu em todas as épocas desde que o ser humano apareceu à face da Terra, e que é confirmada pela experiência: “ninguém é profeta na sua terra”.
O conceito de “transformação da realidade”, utilizado pelo Frei Bento Domingues no texto dele, supõe o conceito de “fé metastática”, que é a crença segundo a qual é possível mudar a natureza fundamental da realidade. Ao contrário do que defende Frei Bento Domingues, Jesus Cristo nunca defendeu a crença em uma repentina transfiguração da estrutura da realidade e na subsequente emergência de uma ordem paradisíaca no planeta Terra. “O meu reino não é deste mundo”, disse Jesus Cristo; mas o Frei Bento Domingues teima em transformar o mundo, no reino Dele (a imanentização do éschatos)
É certo que o Cristianismo operou uma diferenciação cultural, em relação ao status quo anterior.
Mas essa diferenciação cultural não se baseou em uma “transformação da realidade” — como diz o Frei Bento Domingues —, mas antes baseou-se na afirmação da realidade, em um reconhecimento da existência de uma determinada realidade concreta. Ao contrário do que acontece com a interpretação feita pelo Frei Bento Domingues, a mensagem de Jesus Cristo não era utópica, mas antes era (e é) baseada no concreto, na realidade tal qual ela se nos apresenta: por isso é que Ele resgatou o papel da mulher na sociedade, por exemplo.
Não obstante ter resgatado a mulher, Jesus Cristo não considerou que os papéis do homem e da mulher fossem intermutáveis, dentro e fora da Igreja ou da religião — como defende utopicamente o Frei Bento Domingues —, exactamente porque o desígnio de Jesus Cristo não era utópico: Ele tinha a noção perfeita da realidade em que o ser humano está inserido.
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