sábado, 6 de fevereiro de 2016

O deus do Anselmo Borges não é o Deus de Jesus Cristo

 

« Segundo o modelo cosmológico padrão, vivemos num universo que se produziu no big bang e terminará numa morte energética futura: "um universo que nasce a partir de um "fundo" desconhecido no qual será reabsorvido".»

Sabemos, por inferência, que o universo teve um princípio; mas é abusivo dizer — como diz o Anselmo Borges ou qualquer outra pessoa — que o universo vai ter este ou aquele fim. A ciência é uma muleta para a filosofia, mas não podemos misturar ciência e filosofia, como faz o Anselmo Borges.

Do ponto de vista macroscópico — que é o ponto em que nos encontramos, na nossa realidade — não é possível conhecer o futuro. Mesmo as leis da física que conhecemos são revogáveis, por exemplo, face à singularidade.

Parece que o Anselmo Borges parte do princípio da filosofia gnóstica indiana do YUGA das elites secularizadas a partir do hinduísmo, que aliás influenciou Nietzsche na sua teoria do Eterno Retorno.

Um ciclo cósmico completo, um mahâyuga, compreende doze mil anos e termina com uma “dissolução” (pralaya) que se repete de uma maneira mais radical (mahâpralaya, a Grande Dissolução) no fim do milésimo ciclo. Assim, o esquema exemplar da “criação ― destruição ― criação” reproduz-se até ao infinito.

A Causa Primeira (Deus) já não é acessível ao Homem não-religioso através dos ritmos cósmicos.

A significação religiosa da repetição dos “gestos” cósmicos é esquecida; e a partir daqui, a repetição da natureza esvaziada do seu conteúdo religioso conduz necessariamente a uma visão pessimista da existência. Para o Homem não-religioso, o Tempo cíclico torna-se insuportavelmente terrível na medida em que se revela como um círculo rodando indefinidamente sobre si mesmo, repetindo-se até ao infinito.


« O ateísmo seria outra conjectura metafísica, também filosófica: no pressuposto das teorias especulativas de multiversos ou múltiplos universos e de supercordas, essa meta-realidade apresentar-se-ia como "uma realidade impessoal na qual se produziria de modo cego o nosso universo".»

O que o Anselmo Borges diz é que a teoria do Multiverso pode justificar racionalmente a ausência de uma Causa Primeira (Deus). A afirmação de Anselmo Borges não é crítica: é corroborativa. Portanto, segundo esse argumento, existirá um número infinito de Multiversos que justifica alegadamente a ausência de uma Causa Primeira (Deus) : é uma regressão infinita da existência e do Ser, em um mundo que o Anselmo Borges reconhece ser finito. Eu admito que um ateu ignaro coloque a hipótese desta tese; mas vinda de um professor universitário de filosofia ou teologia, acho muito estranha.


“Por isso falei de coisas que não entendia, de maravilhas que me ultrapassam” (Job, 42,2)

A imagem que o Anselmo Borges traça de Deus é a do “Deus absconditus” — o Deus oculto — que se mantém em silêncio:

“Teísmo e ateísmo são confrontados com o silêncio de Deus. Este silêncio manifesta-se num duplo plano: no plano cósmico, porque Deus não se revela de modo evidente enquanto criador do universo. O outro é o silêncio de Deus "perante o drama da história, devido ao sofrimento humano pessoal e colectivo e ao mal natural cego e à perversidade humana".”

Ou seja, o Deus de Anselmo Borges não é o Deus de Jesus Cristo. Por isso, é abusivo que ele relacione o Deus silencioso, por um lado, com o Deus cristão, por outro lado. É evidente que o Anselmo Borges volta ao problema da Teodiceia para justificar a irracionalidade ateísta; neste sentido, recordemos as palavras do filósofo Eric Voegelin:

« Quando o coração é sensível e o espírito contundente, basta lançar um olhar sobre o mundo para ver a miséria da criatura e pressentir as vias da redenção; se são insensíveis e embotados, serão necessárias perturbações maciças para desencadear sensações fracas.

É assim que um príncipe mimado se apercebeu pela primeira vez de um mendigo, de um doente e de um morto ― e tornou-se assim em Buda; em contrapartida, um escritor contemporâneo vive a experiência de montanhas de cadáveres e do horroroso aniquilamento de milhares de indivíduos nas conturbações do pós-guerra na Rússia ― e conclui que o mundo não está em ordem e tira daí uma série de romances muito comedidos.

Um, vê no sofrimento a essência do ser e procura uma libertação no fundamento do mundo; o outro, vê-a como uma situação de infelicidade à qual se pode, e deve, remediar activamente. Tal alma sentir-se-á mais fortemente interpelada pela imperfeição do mundo, enquanto a outra sê-lo-á pelo esplendor da criação.

Um, só vive o além como verdadeiro se ele se apresentar com brilho e com grande barulho, com a violência e o pavor de um poder superior sob a forma de uma pessoa soberana e de uma organização; para o outro, o rosto e os gestos de cada homem são transparentes e deixam transparecer nele a solidão de Deus. »

Sem comentários:

Enviar um comentário

Neste blogue não são permitidos comentários anónimos.