domingo, 14 de fevereiro de 2016

O Miguel Real diz que “é preciso descristianizar a morte”

 

Há uma tendência dos defensores da “desconstrução do sujeito” em transformar a discussão ética sobre a eutanásia em um assunto teológico e religioso. Mas a ética pertence à filosofia e não à religião. A discussão sobre a eutanásia é ética e filosófica, e não necessariamente religiosa.

Portanto, seria bom que os defensores da eutanásia abandonassem o espantalho falacioso da religião, e discutissem ética. É certo que as religiões têm éticas; mas isso não significa que a recusa da eutanásia seja apenas uma matéria de fé religiosa.


Se lermos este texto acerca das posições do Miguel Real sobre a eutanásia, apercebemo-nos do perigo ético que ele encerra. O princípio é utilitarista.

eutanasia-velhariasPor exemplo, e para que o leitor entenda: uma pessoa da família adoeceu na própria casa com uma infecção mortal: ¿é mais correcto abandonar a casa, de modo a não transmitir a infecção, ou cuidar do doente, mesmo que já não exista qualquer esperança?

O Miguel Real defende (no texto) a ideia de que, não existindo qualquer esperança, o referido doente não deve ser cuidado e deve ser eutanasiado.

Ou seja, para o Miguel Real, para a sociedade seria mais útil se, por exemplo, doentes infectados com o vírus do Ébola fossem abandonados ao seu destino, para que a causa da doença permanecesse isolada. Em 1995, em África, também teria sido mais útil para as enfermeiras cristãs se se tivessem mantido afastadas: em vez disso, cuidaram dos doentes e também morreram.

O utilitarismo tem um problema fundamental: ¿quem define o que é útil? ¿E para quem há-de ser útil?

O critério deve ser o de “maior bem para o maior número” (Bentham). ¿E o que acontece com aqueles que não fazem parte do “maior número”? Pascal reduziu ao absurdo as tentativas de chegar a um resultado por esta via: a filosofia conheceria, segundo ele, “280 bens supremos”, de modo que cada filósofo teria a sua própria moral.

Por outro lado, o utilitarismo tem outro ponto fraco: se os valores morais são estabelecidos de acordo com o critério da utilidade individual ou social, uma pessoa pode sempre abandonar esta moral por motivos de uma prudência egoísta. O princípio do interesse próprio, em última análise, também pode ser muito útil: ¿por que motivo deve a utilidade para o maior número possível de seres humanos estar acima da utilidade para mim?

Quando Miguel Real defende a opinião de que os seres humanos com doenças terminais ou muito idosos não têm qualquer direito à continuação das suas vidas até à morte natural, justifica a sua opinião, por um lado, com a situação real de alguém que (alegadamente) vive “muito para além do seu ciclo natural” — uma vida que não vale a pena —, mas, por outro lado, com a utilidade que representa para a sociedade não ter encargos com tais pessoas. Ou seja, incorre em um sofisma naturalista, visto que não podemos tirar conclusões morais a partir de um facto. E, ademais, pressupõe um consenso acerca do valor e dos custos convenientes de uma vida humana — consenso esse que não existe!

Por isto é que a eutanásia, a ser legalizada, é um retrocesso civilizacional — porque, como o leitor já percebeu, não está apenas em causa a eutanásia dita “voluntária” em casos de doenças terminais. A agenda política da eutanásia é muito mais alargada, como podemos verificar no texto do Miguel Real. E o problema consiste em abrirmos a caixa-de-pandora da eutanásia e deixarmos de ter a noção de que a barbárie se instalou entre nós.

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