Pela primeira vez, que me lembre, estou parcialmente de acordo com o Anselmo Borges — não pelas múltiplas citações (eu prefiro citar reaccionários, como por exemplo, Nicolás Gómez Dávila ou G. K. Chesterton) que ele introduz o seu (dele) texto, mas pela essência do dito.
O problema é que o Anselmo Borges faz parte da cultura niilista que ele próprio critica; é uma espécie de serpente que morde a sua própria cauda.
“A causa da enfermidade moderna é a convicção segundo a qual o Homem se pode curar a si mesmo.”
— Nicolás Gómez Dávila
Sobre o texto do Anselmo Borges:
Desde logo, Nietzsche não foi um filósofo; foi um literato. Por exemplo, poderíamos também apodar o Antero de Quental de filósofo, mas ele foi mais um literato bipolar do que um filósofo: o seu pensamento tem muitas falhas, baseou-se no panteísmo de Spinoza, e não criou um sistema ou uma doutrina coerentes. E tal como Nietzsche, morreu louco.
Aliás, esta opinião não é só minha: o insuspeito ateu e racionalista Bertrand Russell é da mesma opinião: Nietzsche foi um literato, e não propriamente um filósofo.
Ou seja, a essência do problema da modernidade (ao contrário do que implicitamente parece sugerir o Anselmo Borges) não está no louco literato Nietzsche, mas antes está no Romantismo em geral e, em particular, no Positivismo que é o Romantismo da Ciência.
Ora, o pensamento do Anselmo Borges está eivado de Romantismo — desde Rousseau até Hegel. E a única forma de sairmos da Matrix positivista e/ou romântica que caracteriza a modernidade, é sermos reaccionários — mas isso seria impossível à mente alienada do Anselmo Borges. Um reaccionário é, por exemplo, alguém que não acredita que os problemas humanos tenham (de todo!) soluções humanas; ora, esta ideia reaccionária é, aos olhos do romântico Anselmo Borges, asquerosa. O Anselmo Borges é um progressista, que acredita que o progresso é uma lei da Natureza. Um reaccionário é um eremita moderno que vive no meio da multidão.
“Quem olha sem admirar ou sem odiar, não viu nada.”
— Nicolás Gómez Dávila
Quando o Anselmo Borges se refere (neste texto, como em todos os outros textos dele) ao “Outro”, baseia-se em uma visão niilista — na linha do protestante cristão dinamarquês Søren Kierkegaard que se mistura com o sentimentalismo do judeu francês Emmanuel Levinas (“A partir do momento em que o outro olha para mim, torno-me responsável”).
Levinas (assim como Schopenhauer) renunciam a uma fundamentação racional da sua escolha de valores: esta surge, em vez disso, espontaneamente da profundidade dos sentimentos e da (alegada) empatia fundamental. O Anselmo Borges “anda no meio disto”, com as portas abertas à arbitrariedade em nome do sentimento — mas nem todos os seres humanos têm os mesmos sentimentos, e alguns nem sequer são capazes de sentimentos empáticos; e ainda assim, para estes também terá que existir uma ética que seja válida.
Quando o Anselmo Borges defende a substituição da população europeia através da imigração massiva, fá-lo no espírito do niilismo (de Schopenhauer ou de Levinas) que “se torna responsável pelo outro”, mas que abole o princípio humano da auto-conservação. A defesa da imigração massiva na Europa (ao mesmo tempo que se defende a liberalização do aborto nas populações autóctones) é uma forma de niilismo que destrói o espírito de auto-conservação das sociedades (que caracteriza o Anselmo Borges e os chamados “progressistas”): “o racismo branco é mau; mas o racismo contra os brancos é muito bom” — é o lema dos progressistas, que inclui o papa que o Anselmo Borges tanto venera.
“O político de consciência mais delicada apenas consegue ser uma puta pudica.”
— Nicolás Gómez Dávila
Hoje vivemos em uma sociedade em que as elites alinham o seu discurso pelo mesmo diapasão de um exibicionismo moral politicamente correcto, próprio de putas pudicas. O discurso moral das putas pudicas é progressista (no sentido do “progresso” como uma lei da Natureza) e exibicionista. É neste contexto que se insere também o Anselmo Borges — para além de outros, como por exemplo, alguns militantes notáveis do CDS/PP que aparecem amiúde na televisão. Esta metástase cultural proveniente do pudor do putedo elitista apodrece o corpo social, e o Anselmo Borges faz parte dela.
“Daquilo que é importante, não há provas: há apenas testemunhos. O Homem persegue o desejo mas só captura a nostalgia”
— Nicolás Gómez Dávila
Quando o Anselmo Borges diz que “Nossa Senhora não apareceu em Fátima e que se tratou de um fenómeno interior subjectivo”, o que ele faz é clamar pelas provas positivas (o Positivismo como uma forma de Romantismo da ciência) e cagar nas testemunhas. Mas “daquilo que é importante, não há provas: há apenas testemunhos”. Esta é mais uma razão por que o Anselmo Borges faz parte do problema moderno que ele próprio denuncia.