Em uma entrevista concedida ao seu (dele) amigo ateu Eugénio Scalfari, o papa Chicuzinho afirmou que o “inferno não existe” e que as almas condenadas apenas “desaparecem”.
Numa penada, o Chiquinho nega dois mil anos de doutrina da Igreja Católica e nega a condição sempiterna da alma — para além de o Chico negar o conceito de criação da alma humana à semelhança de Deus (e por isso não pode ser destruída senão por vontade de Deus), e renegar as teses místicas de S. Paulo de Tarso. Aliás, o Chico tem um problema endémico com S. Paulo.
Ademais, com a tese do “desaparecimento das almas” e com a “negação do inferno”, o Chico nega a ontologia de Satanás e/ou de Lúcifer. Ou seja, para o Chicão, o diabo não existe. Ou melhor dizendo: para o Chicão, o diabo é o Donald Trump.
O maior erro da modernidade não é o anúncio da morte de Deus (Nietzsche), mas antes é a crença de que o diabo morreu. O demónio venceu quando permite que o derrotemos com as suas próprias armas, e triunfa totalmente onde e quando não deixa impressões digitais. O Chico adequa-se à morte ontológica do diabo que actua sem deixar impressões digitais.
Para os gnósticos da Antiguidade Tardia, os Hílicos (os rendidos à matéria, “hyle”) não tinham qualquer possibilidade de salvação, e portanto, a psychê (a alma e corpo emocional) “desaparecia” juntamente com a sôma (corpo vital e corpo físico). O Chico defende a mesma tese defendida pelos gnósticos no século II d.C..
“Eis que um mistério vos digo: nem todos adormeceremos, porém todos seremos transmutados; num ápice, num abrir e fechar de olhos, ao som da última trombeta: pois soará a trombeta e os mortos despertarão incorruptíveis, e seremos transmutados. Porque importa que este corruptível se revista de imortalidade”.
— S. Paulo, 1 COR 15, 51- 53
É preciso ter em atenção que, para S. Paulo, a “transmutação” não é a mesma coisa que “ressurreição da carne”, conceito este último adoptado depois pela Igreja Católica medieval. Para S. Paulo, “carne” significa “matéria”, ao passo que “corpo” é a estrutura biológica humana: assim, a “carne” opõe-se ao “espírito”, ao passo que o “corpo” é uma estrutura impregnada pelo princípio vital que actua nele.
“Assim será o ressurgir dos mortos. Semeia-se em corrupção, desperta-se em incorrupção; semeia-se em baixeza, desperta-se em glória; semeia-se em fragilidade, desperta-se em poder; semeia-se um corpo animado, desperta-se um corpo espiritual”.
— S. Paulo, 1 COR 15, 42-44
S. Paulo contraria a concepção tardia eclesiástica medieval de “ressurreição da carne”, que não figura em nenhuma parte da Bíblia — seja do Antigo Testamento, seja do Novo Testamento.
S. Paulo utiliza termos como “adormecer” e “despertar”, em vez de “morrer” e “ressuscitar”.
Em Efésios 5,14 : “Desperta, tu que dormes, e levanta-te de entre os mortos e Cristo te iluminará”. Os “mortos” podem ser os falecidos, mas também podem ser todos aqueles que devido à sua espiritualidade básica ainda não despertaram para a luz espiritual.
“Porque vos transmiti em primeiro lugar, o que também recebi, que Cristo morreu pelos nossos erros segundo as Escrituras, e que foi sepultado, e que foi despertado ao terceiro dia segundo as Escrituras, e que apareceu a Cefas e em seguida aos doze; após o que apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma só vez, dos quais a maior parte ainda vive, enquanto alguns adormeceram; depois apareceu a Tiago, e a seguir a todos os apóstolos; e por último apareceu-me a mim, que sou um abortivo.”
— S. Paulo, 1 COR 15, 3-8
Para S. Paulo, o “ressurgir de entre os mortos”, significa “despertar”, “erguer”, “levantar”, “ressurgir”, “elevar”; e associa o facto de Cristo ter “ressurgido dentre os mortos” ao facto análogo de um ressurgir futuro de toda a humanidade. Repito: toda a humanidade.
“Se não há um ressurgir dos mortos, tão pouco Cristo despertou; e se Cristo não despertou, por conseguinte é vã a nossa pregação e vã a nossa fé”
— S. Paulo, 1 COR 15, 20-21
O Senhor é o justiceiro (1 TESS 4, 3-7), e a justiça será feita no “fim dos tempos” — e não logo após a morte física do pecador, como afirma o Chico. De qualquer modo, S. Paulo defende a ideia de que todos os cristãos serão arrebatados (uns mais tarde, outros mais cedo) para ir ao encontro do Senhor no seu regresso (Parúsia) : “... nós, os viventes ...” [1 TESS 4, 15-17]
“A teologia, em mãos torpes, torna-se na arte de ridicularizar o mistério” → Nicolás Gómez Dávila
Em suma, o Chico considera-se teologicamente mais lúcido do que S. Paulo. É obra!
S. Paulo considera que, no fim dos tempos (e só no fim dos tempos), o Senhor fará justiça e decidirá sobre o destino das almas no inferno. O papa Chico raciocina de forma semelhante à dos saduceus panteístas e monistas, segundo os quais o ser humano deixa de “ser” (de existir) após a morte (Génesis 3,19 e 18,27).
Segundo Agata Maria Simma, “o purgatório é um lugar e uma condição que cada alma vive quando tem necessita ainda de expiar e reparar os pecados que cometeu durante a sua vida, antes que ela possa alcançar Jesus no Paraíso”. Notem bem: lugar e condição. O mesmo se passa com o inferno: é um lugar e condição espirituais sujeito ao “juízo final” no “fim dos tempos”.
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