Ele há (actualmente) a utopia da Esquerda, que é resumida pela Teoria Crítica e pela tolerância repressiva do marxismo cultural (ou aquilo a que se convencionou chamar de “política identitária”, ou “política das identidades”) do Partido Socialista, do PAN (Pessoas-Animais-Natureza), do Bloco de Esquerda, e um pouco do Partido Comunista; mas há outra utopia, aquela que pretende uma Direita da anomia social, culturalmente pulverizada ou culturalmente neutra (a ilusão utópica da “neutralidade”), a Direita do individualismo radical que não se preocupa minimamente com o sentido dos fins e dos valores que a prática histórica e das comunidades pressupõe.
Esta é a Direita utópica que se manifesta assim:
“Já ganhamos: juntar pessoas que se afirmam de direita, sem complexos, sem contabilidades de pénis, de cor de pele, origem, religião ou actividade sexual são o pesadelo dos instalados”.
É esta Direita utópica que gerou o Rui Rio que agora se diz próximo do Partido Socialista de António Costa. As utopias convivem amiúde entre si; alimentam-se umas das outras. É esta Direita utópica que gerou a Assunção Cristas que coloca o valor da paridade de sexos acima do valor do mérito, e aprova leis do Bloco de Esquerda sobre a permissão da devassa das contas bancárias privadas.
Por exemplo, a interpretação utópica (neutral) desta Direita, acerca dos Direitos do Homem, pretende expressar o ponto de vista do homem como tal, abstraindo de qualquer determinação histórica ou de qualquer determinação cultural (a tal Direita “sem quaisquer contabilidades”).
Porém, em bom rigor, a pretensão de aceder a critérios de avaliação neutros é ilusória, porque a construção de qualquer concepção acerca da realidade (da sociedade e da justiça) insere-se no contexto de uma tradição prática particular que é portadora de critérios, e é pressuposta por uma compreensão específica do que é racional do ponto de vista prático.
A crença na possibilidade de princípios e de regras universais (ou seja, regras independentes da cultura antropológica, ou de regras independentes das tradições práticas), não exprime senão o ponto de vista de uma tradição particular que é a tradição do individualismo radical que, como qualquer outra tradição ideológica, possui os seus próprios modelos de justificação racionalizada e os seus próprios textos de referência ideológica.
Ou seja, a crença de que é possível reunir (em Portugal) num mesmo movimento político de Direita, por exemplo, um eunuco do califado, um negróide do Burkina Fasso, um cidadão da Coreia do Norte, um animista do bantustão, e um fanchono da Lapónia — esta crença faz parte de uma ideologia, ou seja, de uma utopia.
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