quarta-feira, 17 de julho de 2019

A ignorância academista e elitista da Raquel Varela

O fenómeno “Donald Trump” deve-se à revolta da classe média americana (que é maioritariamente de origem europeia, mas que poderia ser de outra etnia qualquer), que tem vindo a perder poder de compra pelo menos desde o consulado do Bush filho; mas o fenómeno não é só económico, como é evidente: também é uma revolta cultural contra uma elite política americana manifestamente decadente do ponto de vista ético-civilizacional (só não vê quem não quer ver).

Há uma grande diferença entre uma classe média que, por razões culturais e históricas (entre elas, a tradição), defende (através do voto) um determinado status quo político burguês, por um lado, e, por outro lado, o surgimento de “uma linha de uma burguesia, com epicentro nos EUA, mais proteccionista, nacionalista” (como escreveu a Raquel Varela).

A Raquel Varela parte de preconceitos negativos, e não de uma qualquer racionalidade de análise. E confunde “racionalidade” e “racionalismo ”.


raque-varela-wc-webA Esquerda neomarxista (por exemplo, a Raquel Varela ou o José Pacheco Pereira) e a "Direitinha" liberal (por exemplo, os do Insurgente) parecem não compreender (ou fazem de conta que não compreendem) que a liberdade de comércio tem que ser biunívoca (tem dois sentidos): não faz qualquer sentido que uns países usufruam da liberdade de comércio na relação com outros países, e que a estes outros países não seja permitido esse mesmo usufruto.

Por exemplo, a União Europeia teve sempre uma política de comércio proteccionista em relação aos Estados Unidos (e a China também); e é este facto (o do proteccionismo da União Europeia e da China em relação aos Estados Unidos) que a Esquerda neomarxista e a "Direitinha" liberal escamoteiam sistematicamente para assim poderem acusar o Donald Trump de “proteccionismo”. Trata-se da falácia Tu Quoque.

A Raquel Varela mostra uma ignorância escandalosa, quando diz que “o pensamento científico é totalmente avesso à generalização” (ver ficheiro PDF do texto da Raquel Varela).

Alguém terá que explicar à Raquel Varela o que é a “indução” e a importância que a indução tem no pensamento e no método científicos. “O rei vai nu” (e eu estupefacto).


A Raquel Varela diz que “o Donald Trump é de extrema-direita”. ¿Mas por que razão o Donald Trump é de “extrema-direita”?! — pergunto eu. “Porque sim!” — responde (tacitamente) a Raquel Varela. É isto a que a Raquel Varela chama de “racionalismo”.


De resto, a Raquel Varela incorre no mesmo tipo de pensamento utópico dos incipientes marxistas militantes do século XIX e do princípio do século XX, que acreditavam que as classes operárias dos diferentes países europeus se revoltariam contra as respectivas burguesias nacionais, e que (por isso) fariam a “revolução global”o que não aconteceu (a classe operária nacional defende, em primeiro lugar e antes de tudo, a sua nação — como se verificou historicamente); e esta previsão ideológica falhada (a da “revolução global”) conduziu não só ao nacionalismo soviético (Estaline), mas deu sobretudo origem aos “revisionistas” da espécie de Lukacs ou Gramsci, e aos sequazes da Escola de Frankfurt (marxismo cultural).

O que é espantoso na Raquel Varela é que, por um lado, ela defende aquilo a que ela chama de “pleno emprego” (que faz parte do legado ideológico estalinista), mas, por outro lado, ela diz ser contra o estalinismo. Ou seja, ela é contra o estalinismo às segundas, quartas e sextas, e a favor do estalinismo às terças, quintas e sábados (e aos domingos está de folga).

O conceito de “pleno emprego” é complexo — porque teríamos que saber, em primeiro lugar, o que significa “emprego” (ou o que significa “trabalho”). Em uma visão não-utilitarista da sociedade, que é perfeitamente legítima, o conceito de “utilidade” não condiciona o conceito de “justiça” — mas é exactamente o movimento político que procura a aplicação deste princípio da independência da justiça em relação ao utilitarismo, que a Raquel Varela diaboliza chamando-o de “extrema-direita”.


O problema que se coloca é o de que não é possível a democracia (dita “burguesa”, segundo os marxistas, como por exemplo a Raquel Varela) sem a existência PRÉVIA do Estado-Nação.

É isto que incomoda a mente revolucionária da Raquel Varela, por um lado, e por outro lado “chateia” os sequazes do federalismo da União Europeia (como, por exemplo, o Rangel do PSD): não existindo (como não existe, de facto) uma “nação europeia”, não é possível uma “democracia na Europa” (como, por exemplo, defende o “fassista” Nigel Farage).

A Raquel Varela acredita que é necessária a imposição de um totalitarismo à escala global para contrariar a Natureza Humana (porque ela sente-se superior ao comum dos mortais). É esse o totalitarismo dos “progressistas que exigem a solidariedade real (material) entre os povos”, e, por isso, é um totalitarismo “bom” (Assim Falava Zaratustra).

O conceito de “internacionalismo”, segundo os neomarxistas como a Raquel Varela, abrange esse totalitarismo “bom” à escala global, mas que difere substancialmente do conceito “liberal-fascista” (defendido pelos liberais plutocratas e esquerdistas dos Estados Unidos) de “sinificação” (a China como modelo de organização política regional).

O conceito de “internacionalismo”, segundo a Raquel Varela, parece ser um conceito trotskista actualizado — o conceito de Trotski que a experiência comprovou não ser passível de aplicação prática. Eu comparo o “internacionalismo” de Trotski com o Distributismo de G. K. Chesterton: são conceitos bonitos, mas que não se aplicam (de forma geral) à prática humana.


A “análise” da Raquel Varela, acerca da origem da Política Identitária nos Estados Unidos, está errada.

« Com a OCDE e a UE a reconhecem a “crise demográfica”, necessidade de mais trabalho qualificado, surge toda a questão de género e quotas para entrarem mais contingentes de força de trabalho assalariada, impedindo a escassez que iria dar necessariamente aumento do preço da força de trabalho, e dos salários. É aqui que nasce, a partir dos EUA, a forma das políticas identitárias de esquerda. »

Fico de boca aberta perante este tipo de “análise” vinda da parte de uma “cientista social”. A Raquel Varela insulta o conceito de “análise”. Basta irmos à Wikipédia para verificarmos que a Raquel Varela deturpa as causas e o nexo ideológicos da Política Identitária.


O que a Raquel Varela pretende, com aquele relambório, é tentar imprimir um nexo racional ao irracionalismo típico da Esquerda; o que ela pretende é salvar a sua (dela) própria identidade que a Razão coloca em causa.

E, por isso, ela diz que “aquela Esquerda (a que existe) não é a verdadeira Esquerda” (trata-se de uma espécie de falácia lógica do Verdadeiro Escocês), assim como “as revoluções marxistas que mataram milhões de pessoas não foram Verdadeiras Revoluções”. Estamos perante um delírio interpretativo.


Quando os japoneses não aceitam a imigração (não existe imigração no Japão!), a Raquel Varela não nos vem falar do “homem amarelo a resgatar no xintoísmo a pureza das sociedades imperiais esquecidas” — porque o japonês não é “homem branco”.

A defesa da nação  e dos seus símbolos  é, para a Raquel Varela, de “extrema-direita” e “racista” — por um lado, a Raquel Varela é contra a “Esquerda dos Estados Unidos” que adoptou a Política Identitária, mas, por outro lado, concorda com as teses “anti-nação” da Política Identitária da Esquerda dos Estados Unidos.

Quando (por exemplo) os japoneses não aceitam a imigração (não existe imigração no Japão), a Raquel Varela não nos vem falar do “homem amarelo a resgatar no xintoísmo a pureza das sociedades imperiais esquecidas” — porque o japonês não é “homem branco”.

O problema da Raquel Varela, assim como os sequazes do marxismo cultural, é o “homem branco”. “Só o homem branco é racista”, dizem eles — até o japonês que é anti-imigração é uma vítima do “homem branco”.

Ou seja, a Raquel Varela segue a ideologia da Política Identitária (que, simplificando, tem origem na Escola de Frankfurt e na teoria da tolerância repressiva de Marcuse) ao mesmo tempo que a critica (“mais depressa apanhamos uma mentirosa do que um coxo”).

A Raquel Varela é uma coisa e o seu contrário — e tudo isto (alegadamente) em nome do racionalismo.


A ‘humanidade’ não existe sociologicamente, não existe perante a civilização.

Considerar a humanidade como um todo é, virtualmente, considerá-la como nação; mas uma nação que deixe de ser nação passa a ser absolutamente o seu próprio meio. Ora um corpo que passa a ser absolutamente do meio onde vive é um corpo morto.

A morte é isso — a absoluta entrega de si próprio ao exterior, a absoluta absorção no que o cerca. Por isso, o humanitarismo e o internacionalismo são conceitos de morte, só cérebros saudosos do inorgânico o podem agradavelmente conceber.

Todo o internacionalista deveria ser fuzilado para que obtenha o que quer: a integração verdadeira no meio a que tende a pertencer. Só existem nações, não existe humanidade.”

→ Fernando Pessoa

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