sábado, 4 de maio de 2024

O cepticismo, e o império do subjectivismo pós-moderno


“Não seria irracional que um homem preferisse a destruição do mundo, a uma esfoladela no seu dedo.”

→ David Hume



Eu estudei a História da Filosofia Ocidental, da autoria de Bertrand Russell. Sublinho: estudei; e há muito tempo. Estudar um livro é diferente de lê-lo. Tenho duas edições do dito livro: uma, para colocar na estante, impecável, sem pó; e outra, para rabiscar e sublinhar, desconjuntado. Normalmente é assim que faço: compro dois exemplares dos livros de filosofia.

A minha grande divergência em relação a Bertrand Russell não é apenas na ética, em geral, mas principalmente nos fundamentos da ética. Bertrand Russell — assim como Richard Dawkins — não consegue fundamentar a ética senão nos costumes que podem mudar a cada geração. Mas, em relação à Razão (racionalidade) e à Lógica, é difícil estar em desacordo com ele.

A ética, ou seja, os valores morais, devem ser 1/ universais, 2/ fundamentados racionalmente, 3/ ter uma validade intemporal e 4/ serem identificáveis nas suas características principais.

Ora, nestes quatro requisitos da ética, Bertrand Russell falha sistematicamente.

Neste texto de Bertrand Russell, transcrito pela professora Helena Serrão, um céptico (Bertrand Russell) critica outro céptico (David Hume). Porém, e daquilo que li de Bertrand Russell, o cepticismo deste é diferente do cepticismo de David Hume.

O cepticismo de Bertrand Russell é mais parecido com o da doutrina do grego Pirron de Élis (cepticismo pirrónico) que afirma que não podemos ter a certeza de alcançar a Verdade — mas que não nega a possibilidade da existência da Verdade.

Não devemos confundir a “dúvida céptica”, que tem por objectivo uma suspensão definitiva da opinião (David Hume), por um lado, e, por outro lado, a “dúvida metódica” (praticada por Descartes) que é provisória e estabelecida visando a descoberta da Verdade.

O referido texto é paradigmático desta diferença entre estes dois tipos de cepticismo. Porém, o cepticismo de Hume (ao contrário do que diz Bertrand Russell) não foi precedido por Kant e Hegel, quanto mais não seja por esta ideia ser anacrónica: o cepticismo de Hume já advém (evoluiu de) de Montaigne, e depois de Hobbes.


«Segundo este cepticismo muito moderno [de Hume], a faculdade humana do conhecimento é uma coisa que contém conceitos, e já que ela não tem senão conceitos, não pode atingir as coisas que estão fora [desses conceitos].

(…)

Nenhum ser racional iria imaginar que pelo facto de “possuir” a ideia de uma coisa, ele possui igualmente essa coisa. Portanto, este cepticismo não é bastante consequente para mostrar, ao mesmo tempo, que nenhum ser racional não deva imaginar que possui uma ideia.

Com efeito, a ideia é também qualquer coisa; portanto, o ser racional não pode ter senão a ideia da ideia, e não a própria ideia; nem mesmo a ideia da ideia, porque esta ideia na segunda potência seria, portanto, a ideia da ideia, até ao infinito.»

[Hegel, “A Ciência da Lógica”]


A ideia de Russell segundo a qual “Kant e Hegel podem ser refutados com argumentos humeanos” é, ela mesma, irracional. Bertrand Russell “embarra” sistematicamente com as tautologias próprias da Existência — a começar pelo empirismo que ele tanto defende.

Eu também defendo a racionalidade do empirismo, mas este entendido como uma dimensão necessária da existência que não elimina, per se, a necessidade de outras dimensões da existência — ao passo que Russell pretendia reduzir a realidade inteira ao empirismo — incluindo a dimensão da matemática (dedução), através da teoria do Logicismo (de Russell e Whitehead).

Porém, o texto referido de Bertrand Russell tem o condão de explicar o Império do Subjectivismo (e da irracionalidade, que volta a estar na moda) que governa a nossa actual cultura pós-moderna.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Neste blogue não são permitidos comentários anónimos.