quinta-feira, 22 de maio de 2014

O politicamente correcto já é uma forma de populismo

 

O cardeal patriarca de Lisboa, Dom Manuel Clemente, compreendeu (como aliás muitos sacerdotes já compreenderam através da experiência) que a comunidade cristã é hoje aquela comunidade minoritária que parte à conquista da maioria através do exemplo de vida, como aconteceu um pouco assim nos primórdios do Cristianismo. Mas não tenho dúvidas de que essa minoria cristã vai ser politicamente perseguida — aliás, já está a ser perseguida na União Europeia — por uma sociedade culturalmente induzida por uma elite (política, mas não só) moralmente corrupta e que não olha aos meios para atingir os seus fins políticos demagógicos. O politicamente correcto já é uma forma de populismo.

Porém, há a tendência para se afirmar que “a maioria é hoje pagã” — o que é um erro. A maioria é hoje uma massa amorfa que não pode ser comparada com o paganismo da Antiguidade Tardia. O paganismo tinha uma estrutura religiosa; é certo que era imanente e filosoficamente menos elaborada do que o Cristianismo, mas tinha essa estrutura religiosa. Por exemplo, se lermos sobre a polémica de Santo Agostinho contra o neoplatónico Celso (que era pagão), verificamos, por parte deste último, uma argumentação religiosa e soteriológica que o amorfismo cultural actual, nem por sombras, possui 1.

Hoje já não existe cultura propriamente dita: existe um amorfismo cultural que é a negação da própria noção de cultura. É como se a cultura consistisse na negação de si própria, evoluindo em uma espiral de recusa cultural até a um estado em que a negação do racional se transforma em uma concepção do mundo; o irracional passa a ser venerado em nome da razão!. Isto nada tem a ver com o paganismo: é um fenómeno completamente novo, e tem mais analogias com as ideologias dos totalitarismos modernos do que com o paganismo da Antiguidade Tardia. O amorfismo cultural actual tem muito mais a ver com a ética do homossexual David Hume do que com a ética do pagão Celso.

Por outro lado, este artigo fala do conceito grego de "telos" que deu origem à noção de “teleologia”, que consiste no discurso sobre a finalidade das coisas e dos seres entendidos nas suas diferenças ontológicas. É bom sublinhar isto: seres entendidos nas suas diferenças ontológicas. O ser humano tem a sua especificidade natural, e o seu fim (a sua finalidade ontológica) consiste em potenciar as virtudes humanas de acordo com as características de cada indivíduo enquanto inserido na classificação da espécie humana.

Pan-paniscus-bonoboEntre um ser humano e um animal irracional, podemos eventualmente fazer analogias, mas não podemos fazer comparações (como faz a sociobiologia) — porque o "telos" dos dois tipos de seres é diferente.

Por isso não é racional que apelemos à Natureza (falácia do apelo à natureza) para tentar justificar o comportamento humano de acordo com o comportamento de outro animal qualquer, porque o "telos" de um ser humano, por um lado, e de um bonobo, por outro lado e por exemplo, não é idêntico e nem sequer semelhante. O fim (ou seja, a finalidade da sua existência) do ser humano é diferente da finalidade da existência de um bonobo, e a comparação ontológica entre um ser humano e um bonobo é característica da irracionalidade do amorfismo cultural actual marcado pelo cientismo que, no fundo, é uma forma de negação da ciência propriamente dita.

Aquilo que, em um animal irracional, deve ser compreendido no contexto da sua irracionalidade, não serve para tentar justificar o comportamento irracional no homem como sendo razoável — porque estamos a comparar coisas que, à partida, não são racionalmente comparáveis. Ora, o amorfismo cultural actual, imposto através dos me®dia pelas elites corrompidas, não só compara o que não é comparável, como até tende a reduzir o cidadão à condição de um ser irracional. Esta tentativa actual de irracionalização do ser humano só teve paralelo nos totalitarismos do século XX (Hitlerismo e Estalinismo), e por isso podemos inferir que existe uma agenda política esconsa que pretende formatar uma nova forma de totalitarismo de que ainda não temos uma noção clara (conteúdo), embora já possamos pressentir hoje os seus contornos (forma).

Nota
1. Sócrates, Platão e Aristóteles, entre outros, eram pagãos e críticos do comportamento dos sodomitas. “Paganismo” não significava necessariamente “relativismo moral”.

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