sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Raquel Varela e a “utopia da solidariedade”

 

“A Esquerda acertou no diagnóstico mas errou na receita” — Nicolás Gómez Dávila

Nicolás Gómez Dávila referia-se à Esquerda entendida como “movimento revolucionário” que inclui o marxismo. Mas o movimento revolucionário não se esgota (no) nem se limita ao marxismo. Ou seja, a Esquerda não é só marxista.

Raquel Varela escreve aqui um texto bastante confuso; só não sei se é confuso de propósito, ou se a confusão é consequência do tipo de raciocínio da autora.

“Produzimos muito, temos na indústria a mesma população activa de há 40 anos atrás, sensivelmente, e exporta-se como nunca – e mesmo assim a taxa média de lucro não sobe e por isso a Troika e o Governo baixam ainda mais o “custo” unitário do trabalho, desempregando ainda mais pessoas, prolongando ainda mais o horário de trabalho, cortando ainda mais nos salários.”

A Raquel Varela, que parece que é licenciada em História –  e parece que vive em Lisboa e, por isso, não deve conhecer o país real --, não deveria entrar em contradições deste tipo, até porque a contradição é um estigma marxista. Os valores das exportações, no seu conjunto, podem ser hoje mais elevados do que há 40 anos (e não “há 40 anos atrás”, como ela escreve), mas não é verdade que exportemos mais, em termos unitários, do que há 40 anos. Se não fossem as exportações de combustíveis, as nossas exportações seriam menores (em valor) do que há apenas 13 anos.

“O nazismo só existiu porque a revolução alemã foi derrotada.”

A Raquel Varela não conseguiu perceber que o nazismo fez parte do movimento revolucionário: de nada lhe valeu andar alguns anos a meter coisas na cabeça (ou isso). A origem ideológica do nazismo entronca em Hegel que, por sua vez, influenciou Karl Marx. São todos filhos da mesma ninhada: comunistas e/ou nazis.

“Por isso quando vejo estes programas dos partidos de esquerda em Portugal com “renegociação da dívida”, “eurobonds”, “produção nacional”, e sobretudo muitas esperanças eleitorais que afastam as pessoas da democracia directa (controlo da produção) e canalizam a sua ansiedade para jogos de poder e comunicação de 4 em 4 anos, até tremo.”

Para a Raquel Varela, a democracia directa significa a instituição de uma espécie actualizada dos “sovietes” da ex-URSS; ou seja, “democracia directa = controlo de produção”. Mas ¿controlo por parte de quem? Por parte das elites do partido único: quando se deixa de lutar pela posse da propriedade privada, luta-se então pelo usufruto da propriedade colectiva, e quem passa a mamar são as elites do partido único. E a Raquel Varela anseia pela mama. Ou, como escreveu Bakunin:

“Sob qualquer ângulo que se esteja situado para considerar esta questão, chega-se ao mesmo resultado execrável: o governo da imensa maioria das massas populares faz-se por uma minoria privilegiada. Esta minoria, porém, segundo os marxistas, compor-se-á de operários.

Sim, com certeza, de antigos operários, mas que, tão logo se tornem governantes ou representantes do povo, cessarão de ser operários e pôr-se-ão a observar o mundo proletário de cima do Estado; deixarão de representar o povo, passando a representar-se a si mesmos e as suas pretensões de governá-lo. Quem duvida disto não conhece a natureza humana.”

– Mikhail Aleksandrovich Bakunin (1814-1876)

A receita da Raquel Varela está errada. Por exemplo, confundir “propriedade privada” (que inclui o controlo dos meios de produção, em geral, por privados), por um lado, com “submissão da política em relação ao sistema financeiro” — é partir de um princípio errado de análise; é cometer o mesmo erro dos neoliberais: reduzem toda a realidade à economia. E quando o princípio de que partem ambos os contendores (marxistas e neoliberais) é o mesmo (reduzir a realidade à economia), perde a “guerra” a corrente não-utilitarista (neste caso, perdem os marxistas).

“De tantas palavras a reconstruir no nosso significado a mais importante contínua a ser Revolução – retirá-la da bagagem de quem construir o horror Estalinista, devolver-lhe o sentido de utopia de solidariedade.”

O combate tem que ser contra o utilitarismo entendido em si mesmo, e esse combate é ético. A política e a economia nada podem fazer neste aspecto, porque a política e a economia são utilitaristas na sua essência. Foi este o grande erro dos idealistas marxistas: nunca entenderam (ou fizeram de conta que não entenderam) que a economia é utilitarista no seu âmago. Tentar construir uma economia não-utilitarista é a mesma coisa que tentar construir um círculo quadrado.

A única maneira de contrariar (e não “eliminar”, porque isso é impossível) o utilitarismo é através de uma ética (ensinada nas escolas) que reduza o Homem à sua condição de “Ser do Universo”, como parte de um Todo Universal, sujeito a um Ordem Universal pré-existente ao Homem, em que a Lei Natural preceda objectivamente o Direito Positivo. Mas o materialismo dialéctico dos marxistas — ou o subjectivismo materialista e radical humeano dos liberais — impede qualquer aproximação a uma solução racional do problema. Basta que a Raquel Varela classifique a solidariedade de “utopia” para sabermos que o ideário dela (e dos seus comparsas) já falhou.

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