sábado, 22 de fevereiro de 2014

O neoliberalismo libertário (tal como o existencialismo de Ayn Rand) foge com o rabo à seringa

 

Quando Ayn Rand procurou dar um nome à sua teoria filosófica, deu-lhe o nome de Objectivismo porque, segundo ela, o termo Existencialismo — que ela preferiria para rotular a sua teoria — já estava tomado e ocupado. Ou seja, Ayn Rand procurava uma originalidade absoluta.

O neoliberalismo libertário de Hayek despreza os princípios do liberalismo clássico e privilegia absolutamente as comissões e bónus provenientes dos negócios.

O que Ayn Rand talvez desconhecesse ou não quis saber, é que o termo Existencialismo é multifacetado. Por exemplo, existe o Existencialismo cristão que vai de Dostoievski e Kierkegaard a Paul Tillich, passando por Karl Jaspers; existe o Existencialismo ateu de Merleau-Ponty ou Jean-Paul Sartre; e existe um Existencialismo pagão de Heidegger ou Gadamer. Portanto, quando falamos de Existencialismo, entendido como uma categoria de mundividência, temos que saber qual a sub-categoria que a caracteriza, para além da especificidade do pensamento individual do autor.

Ou seja, em vez de Objectivismo, Ayn Rand poderia perfeitamente ter optado pelo termo “Existencialismo libertário”, que estaria de facto mais de acordo com as características da sua teoria.

Um fenómeno semelhante acontece com o termo neoliberalismo. Assim como existem várias sub-categorias de Existencialismo, também existem várias sub-categorias de neoliberalismo. Assim como o conceito de Existencialismo se foi alterando com o passar do tempo, aglutinando em si várias tendências classificadas nas suas sub-categorias, assim o conceito de neoliberalismo de foi alterando mantendo em si realidades multifacetadas que têm, porém, um denominador comum: o papel do Estado na economia.

O liberalismo clássico dos séculos XVIII e XIX assenta basicamente em dois princípios: o da igualdade do cidadão perante a lei e os direitos humanos baseados no Direito Natural proclamados pela Revolução Francesa. Adam Smith nunca colocou em causa o papel do Estado regulador na economia: pelo contrário, para Adam Smith, o Estado assumia um papel essencial no sistema liberal da economia.

Os “neoliberais sociais” europeus da década de 1930 nunca foram keneysianos nem defenderam nunca o Estado Social.

Pelo contrário, eram fortemente hostis ao Estado Social, defendendo a ideia segundo a qual um capitalismo forte reduziria a dependência do cidadão em relação ao Estado ( a Suíça é hoje o exemplo do capitalismo popular em uma democracia referendária ou participativa, e adversa ao Estado Social). Trata-se de um “neoliberalismo social” (sub-categoria).

O que Hayek veio introduzir foi uma espécie de capitalismo que anula, na prática e parcialmente, os dois princípios fundamentais do liberalismo clássico: a igualdade do cidadão perante a lei, e a prevalência do Direito Natural adaptado através da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

O resultado das ideias de Hayek é um “neoliberalismo libertário” (sub-categoria), à imagem do “existencialismo libertário” de Ayn Rand, em que o elitismo social é promovido e a atomização e a anomia na sociedade defendida em nome da prevalência absoluta da liberdade negativa  e do subjectivismo  na sociedade. O neoliberalismo libertário de Hayek despreza os princípios do liberalismo clássico e privilegia absolutamente as comissões e bónus provenientes dos negócios.

Por isso, dizer que José Sócrates (que defende o Estado Social) é um neoliberal é fugir com o rabo à seringa; um absurdo.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Neste blogue não são permitidos comentários anónimos.