sábado, 10 de maio de 2014

Um texto desonesto no Combustões

 

Por vezes, confunde-se “Absolutismo”, por um lado, como “monarquia orgânica”, por outro lado; mas quando essa confusão vem do blogue Combustões (via), é desonestidade. A monarquia orgânica existe na Europa pelo menos desde a baixa Idade Média, ao passo que o Absolutismo evoluiu dos teóricos da Razão de Estado a partir do século XVI — se bem que o Absolutismo propriamente dito existiu em França: o que aconteceu na Prússia, em Espanha ou em Portugal, por exemplo, foram cópias do Absolutismo francês.

Por outro lado, há uma coincidência entre o Absolutismo, por um lado, e o Iluminismo, por outro lado — o que faz com que, no Absolutismo, a monarquia orgânica já estivesse degradada: não é possível conciliar o Iluminismo e a monarquia orgânica que se baseava em uma cultura e civilização cristãs. Dizer que “durante o Absolutismo existia uma monarquia orgânica” é pretender conciliar o inconciliável.

Eu não quero dizer que o que veio depois do Absolutismo foi melhor; apenas quero dizer que o Absolutismo e o Liberalismo são vergônteas da mesma cepa: o Iluminismo. E afirmar que “o Iluminismo é compatível com uma monarquia orgânica” é um absurdo: penso que nem vale a pena perder tempo com escritos sobre este assunto.

A narrativa que o blogue Combustões atribui ao Absolutismo deve ser atribuída ao período anterior ao Absolutismo que em Portugal teve o seu início em finais do século XVII, quando deixou de fazer parte da tradição política a convocação das Cortes. O Absolutismo aboliu as Cortes em Portugal!, e é inexplicável como alguém possa tentar identificar a monarquia orgânica com o Absolutismo! Só com má-fé essa identificação é possível. As Cortes foram uma componente essencial da monarquia orgânica...!

Existe uma certa Direita que escreve muita merda, à laia da Esquerda radical: desconstrói a História e constrói narrativas que deturpam os factos históricos.

2 comentários:

  1. Orlando, infelizmente o senhor não sabe mesmo do que fala quando faz este tipo de textos. Sobre a questão da representação política em Cortes, aconselho-lhe a leitura de textos de Pedro Cardim, um historiador recente, sobre as Cortes. A representação política em Portugal não se resumia às Cortes - de facto, nas últimas actas de Cortes nota-se que eram os povos quem desaprovava da realização das mesmas. Os delegados concelhios pagavam a própria estadia, o processo de discussão era moroso, ineficaz e foram sendo criadas instâncias burocráticas especializadas para tratar dos assuntos normalmente discutidos em Cortes.

    Nem sequer pode afirmar que se aboliram as cortes. Em França deixaram-se de realizar os Estados Gerais, mas os parlamentos regionais continuavam a realizar-se com regularidade. No caso espanhol passa-se o mesmo, nas circunstâncias deles. Em Portugal, as Cortes deixam de ser necessárias com a criação dos vários tribunais especializados para os quais os concelhos enviavam directamente as suas questões com a Coroa.

    O organicismo estrutural da monarquia prende-se à capacidade de os orgãos funcionarem sem alterações profundas do ethos do regime político. Ora, isso não se deu, houve uma substituição burocrática das funções das Cortes.

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    1. 1/ invocar a autoridade de direito de alguém para justificar uma tese não faz sentido em um comentário curto: as pessoas ficam a entender o mesmo e você incorre em uma falácia ad Verecundiam.

      2/ ninguém disse ou escreveu que “a representação política se reduzia às Cortes” (“reduzia”, será o que você quis dizer; e não “resumia”).

      3/ estamos a falar de Portugal, e não de França ou de Marte. Não tergiversemos.

      4/ o que eu quis dizer com este verbete — veja se entende! — é que o “Absolutismo” não é a mesma coisa que “monarquia orgânica”, nem tem nada a ver uma coisa com outra. Será que você percebeu o que eu quis dizer?

      Ao longo dos últimos séculos, depois que se instalou o Iluminismo, tem-se tentado emular o organicismo da monarquia orgânica, mas tratam-se de corruptelas: não tem nada ver. Qualquer comparação (ou mesmo analogia) entre a monarquia orgânica e o Absolutismo é estupidez ou desonestidade. O Salazarismo também foi uma corruptela altamente degradada da monarquia orgânica.

      5/ o facto de “as Cortes deixarem de ser necessárias”, como você escreveu, é um eufemismo de “as Cortes foram abolidas”. Tentar arranjar desculpas com problemas de logística só revela má-fé no debate. As elites portuguesas resolveram acabar com as Cortes, ponto final!, porque se tratava do “espírito daquele tempo” (era moda, na altura). Percebeu?

      6/

      “O organicismo estrutural da monarquia prende-se à capacidade de os órgãos funcionarem sem alterações profundas do ethos do regime político. Ora, isso não se deu, houve uma substituição burocrática das funções das Cortes”.

      “Substituição burocrática das funções das Cortes” é outro eufemismo. Para que você pudesse compreender por que razão aconteceu essa “substituição burocrática”, você teria que estudar primeiro as influências culturais e ideológicas que as elites (de finais do século XVII) portuguesas receberam, não só de França, mas também da Inglaterra de Hobbes e da Alemanha de Wolf.

      A “substituição burocrática das funções das Cortes” é produto directo do Iluminismo — e o Iluminismo é incompatível com a monarquia orgânica. Veja, por exemplo, o que o Camaralismo alemão fez em matéria de “burocracia”.

      Eu vou repetir devagar, a ver se você percebe:

      O Iluminismo é incompatível com a monarquia orgânica. Seria uma coisa semelhante que você tentasse compatibilizar o marxismo e o capitalismo. E o Absolutismo é um produto do Iluminismo.

      7/ a monarquia orgânica pressupõe (ou exige) uma coincidência entre a cultura intelectual e a cultura antropológica em uma determinada sociedade em que o poder supremo está acima do próprio Rei. Ou seja, numa monarquia orgânica, nem o rei se subtrai a um poder providencial que ultrapassa e transcende toda a sociedade. Neste sentido, o rei não se torna em um déspota senão por desvio próprio. É neste sentido que devemos interpretar a famosa frase de S. Tomás de Aquino:

      “Uma lei injusta não deve ser sequer considerada como lei: devemos simplesmente ignorá-la”.




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