sexta-feira, 1 de agosto de 2014

O discurso soviético do neoliberalismo português

 

É necessário um inimigo externo para justificar as enormidades internas. O neoliberalismo português — de Passos Coelho e companhia — necessita do Partido Socialista para se auto-justificar; diaboliza o inimigo externo mas não se enxerga a si próprio. E depois diz que ninguém foi capaz de definir “neoliberalismo” com um mínimo de seriedade e precisão — da mesma forma que os ideólogos de género dizem que “a ideologia de género não existe e que é uma invenção dos reaccionários conservadores”.

É claro que existe uma noção de “neoliberalismo” que se contrapõe à de “liberalismo económico”. O neoliberalismo é uma doutrina que já se fechou em dogma, ao passo que o liberalismo económico é uma teoria aberta à discussão.

Mas na área da cultura e da ética, o neoliberalismo é a aliança com a utopia revolucionária — ou seja, escriba contradiz-se quando confunde “liberalismo económico”, por um lado, com “liberalismo ético e cultural”, por outro lado. Depois cita-se Tocqueville:

“A liberdade (e a autonomia) dos indivíduos são valores centrais na ideologia liberal. A liberdade pela liberdade – não a liberdade para fazer isto ou aquilo, para fazer o que apetece sem reconhecimento de limites, não a liberdade cativa pela sua vinculação a um objectivo que lhe seja estranho. Dos que procuram na liberdade outra coisa do que ela mesma, disse Tocqueville que eram feitos para servir. A liberdade é o que a todos permite desde a satisfação das suas necessidades e prazeres até à expansão dos seus génios individuais; também pode proporcionar uma espécie de fruição arcádica da vida inteiramente desprovida de utilidade ou heroísmo, mas que vale por si mesma.”

Como se vê, existe apenas um conceito de liberdade, e não uma noção. Voltamos ao mesmo problema de sempre. É a “velhice do eterno novo”, como dizia Fernando Pessoa. A “autonomia” é aqui entendida como “negação da dependência” (“a liberdade é o que a todos permite desde a satisfação das suas necessidades e prazeres até à expansão dos seus génios individuais”). A escriba não está propriamente a falar de liberdade, mas antes de utilitarismo. Por outro lado, a verdade é que a autonomia não é a negação da dependência, mas antes é a capacidade de servir-se dela. E reconhecendo a existência da dependência, a autonomia é composta de direitos e de deveres — e não só de direitos.

A referência a Tocqueville é abusiva, porque ele foi tudo menos “liberal” no sentido dado pelo seu contemporâneo Stuart Mill. Se podemos falar nos “liberais franceses”, de Constant (que a escriba também refere) a Tocqueville, é mister que se diga que quase todos eles assentaram a sua (deles) defesa do liberalismo sobre a oposição explícita ao utilitarismo!

Ora, um dos pontos ideológicos que une o Partido Social Democrata ao Partido Socialista e ao Bloco de Esquerda é o utilitarismo! ¿Esta gente queixa-se de quê?!!!

“É uma condição muito solitária, a do liberal deixado frente a frente com as suas dúvidas e angústias, sem poder refugiar-se na invocação de uma Autoridade, divina ou terrena, apenas entregue à racionalidade dos seus argumentos.”

“O sonho da razão cria monstros” — lá dizia o pintor espanhol Goya. Esta gente confunde “racionalidade”, por um lado, com “racionalização”, por outro lado — a racionalização da ideologia em contraposição à racionalidade do real. Esta gente é tão perigosa quanto a do Partido Comunista.

Montesquieu — que a escriba também evocou como sendo “liberal” — dizia que “Se Deus não existisse, teria que ser inventado”.

Ou seja, o próprio “liberal” Montesquieu (que, alegadamente, já era “liberal” antes de existir o liberalismo) reconheceu a necessidade de uma autoridade divina, ou de um seu Ersatz, para que se pudesse afirmar a autoridade terrena: mas a escriba diz que os liberais (citando Montesquieu) “apenas estão entregues à racionalidade dos seus argumentos”. É esta gente que critica o Partido Comunista!!!

E depois diz que os “liberais” não defendem a barbárie e a ruptura abrupta com a Tradição — ao mesmo tempo que o Partido Social Democrata, por exemplo, abre a porta ao negócio sórdido e utilitarista das "barriga de aluguer", indo ao encontro da ética utilitarista do Partido Socialista e do Bloco de Esquerda!

Esta gente pensa que pode enganar o mundo inteiro... ! ¿Por qué no te callas?!

1 comentário:

  1. Gostei muito desta intervenção do padre Agostinho Jardim Moreira, vale a pena divulgar:

    https://www.youtube.com/watch?v=mu2-r5mS2_E&list=UUakSi4_ei0aVffdQ4GzdYuA

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