sexta-feira, 12 de setembro de 2014

A Raquel Varela reduz toda a realidade à economia

 

A Raquel Varela critica aqui uma constatação de facto por parte da Isabel Jonet, segundo a qual existem “profissionais da pobreza” em Portugal.

A perversidade da crítica da Raquel Varela a Isabel Jonet baseia-se no facto de a primeira dizer que os “profissionais da pobreza” serem produto de um “negócio da pobreza”: por um lado, a Raquel Varela faz um processo de intenções a Isabel Jonet, acusando-a implicitamente de fazer parte de uma cabala capitalista para manter uma pobreza permanente; e, por outro  lado, a Raquel Varela escamoteia totalmente as implicações culturais da pobreza, reduzindo-a a um fenómeno puramente económico. E isto vindo de uma pessoa com “alvará de inteligência” dá que pensar ao tipo de “alvarás” que se concedem na universidades portuguesas.

Para que o leitor (extenditur ad speciem humanam) tenha uma ideia das implicações da pobreza na cultura antropológica, referimo-nos brevemente à Grande Fome da Irlanda do século XIX. Entre 1845 e 1952 (apenas em sete anos), morreu de fome, na Irlanda, um milhão de pessoas, e outro milhão de pessoas emigrou devido à fome.

E ¿por que razão a fome surgiu de repente em 1845, quando não existia anteriormente?

Dois terços da população irlandesa, naquele tempo, vivia de uma monocultura agrícola: a batata. Por uma questão cultural, grande parte da população da só cultivava batatas e pouco mais. Aconteceu que um fungo atacou a produção da batata irlandesa, destruindo as colheitas — não só na Irlanda, mas também por toda a Europa. Mas o problema da fome foi mais grave na Irlanda porque os irlandeses baseavam a sua subsistência na monocultura da batata.

Intelectuais, como por exemplo o filósofo Berkeley (que era Bispo anglicano na Irlanda), tudo fizeram para mudar as mentalidades do povo irlandês — porque se tratava de um problema cultural — no sentido de diversificar a produção agrícola; e esse esforço de mudança cultural teve o mérito de acabar com a Grande Fome na Irlanda, apesar de a tal maleita da batata ter continuado a existir até hoje.

Portanto, o problema dos “profissionais da pobreza”, a que se refere a Isabel Jonet, é essencialmente um problema cultural, antes de ser um problema económico — assim como o problema da monocultura da batata irlandesa era, em primeiro lugar, um problema cultural antes de ser um problema meramente económico. O problema económico foi consequência de um enviesamento da cultura antropológica — e não a causa do problema da fome.

Reduzir toda a realidade à economia é próprio de gente com um QI deficiente.