quarta-feira, 12 de agosto de 2015

A Esquerda, e a “ordem da desordem”

 

A Esquerda vê na desordem uma ordem. Desde já, devemos ter algum cuidado e saber o que significa “ordem” (e dirá o Ludwig Krippahl: “lá vem este gajo com as definições...! que mania!”).

No sentido comum, a “ordem” é a disposição ou arranjo harmonioso e regular das coisas, seres ou ideias. Mas em sociologia política, “ordem” é o conjunto de instituições e de normas que garantem a possibilidade de relações harmoniosas entre membros de uma sociedade — por exemplo, “ordem social”, “ordem pública”.

O problema é o de que “o conjunto de instituições e de regras que garantem a possibilidade de relações harmoniosas entre membros de uma sociedade” não significa a mesma coisa à Esquerda e à Direita — porque, na esteira de Rousseau, a Esquerda considera que não existe “civilização” enquanto forma de “ordem”, mas apenas existem “culturas diferentes”.

Esta posição da Esquerda é contraditória na medida em que a Esquerda defende acerrimamente o conceito de “humanidade”: mas, se se admite (como faz a Esquerda) que não há “várias humanidades” dentro da humanidade, segue-se que é essencial reclamar a unidade da nossa civilização (ou da nossa cultura), não definida como um “particularismo” (como faz a Esquerda), mas antes como condição de todos os seres humanos — da nossa sociedade — de acesso ao universal (como faz a Direita, nomeadamente os filósofos chamados de “comunitaristas”).

O José António Saraiva escreveu um artigo de que cito um parágrafo:

“Até há pouco era consensual, por exemplo, que as pessoas deviam sair à rua lavadas, penteadas e vestidas com roupa limpa e decente. Só os vagabundos não o faziam. Tal não estava escrito em parte nenhuma, mas não passava pela cabeça de ninguém contestar esta evidência. Ora bem: hoje as calças compram-se manchadas e rotas, as camisas usam-se com a fralda de fora, certos penteados tentam imitar os cabelos despenteados. Há uma vontade notória de desafiar as regras.”

As referências estão a desaparecer?

O José António Saraiva tem uma coragem rara em uma figura pública. A coragem dos homens honestos.

Mas, em vez de “regras”, prefiro utilizar o termo “normas”. A norma é o critério, ou princípio, que rege a conduta do ser humano em sociedade; ou é o critério ao qual nos referimos para fazer um juízo de valor: neste sentido, é “normativo” qualquer juízo ou discurso (seja de esquerda ou de direita) que enuncie uma norma.

Não há ordem sem normas. Neste sentido, a ordem (em alguns casos) opõe-se à “liberdade”.

A Esquerda dita “libertária” diz que “a norma deve ser a ausência de normas”; mas não deixa de fazer também juízos de valor. A recusa de uma norma (ou das normas, em geral) também é normativa: quando nós damos uma opinião (negativa, ou positiva) acerca de uma norma, é porque queremos que toda a gente corrobore a nossa opinião — porque, de outro modo, a nossa opinião não faria qualquer sentido.

O “conjunto de regras não escritas”, de que nos fala o José António Saraiva, é (por definição) a “tradição”. A tradição — na cultura antropológica — pode ser definida como um conjunto das ideias, crenças, instituições e costumes de qualquer colectividade, conjunto esse que não provém de uma codificação escrita — ou do Direito Positivo.

Ora, para a Esquerda, a tradição é a ausência de tradição; porque tudo o que não for ausência ou negação da tradição não faz parte da tradição da Esquerda. A negação do passado (o presentismo eterno ou a certeza do futuro) e a desconstrução da História, por exemplo, fazem parte da tradição da Esquerda. Uma tradição niilista. A Esquerda transforma a tradição em “não-tradição”: é a própria negação da tradição que se torna tradicional na Esquerda.

Como acontece na curva de Gauss, uma norma é instituída em referência a uma medida, em relação à qual são medidos os desvios, e cuja amplitude afasta, mais ou menos, da norma. Quando não existe uma curva na função de Gauss, dizemos que “não há norma” — o que é uma impossibilidade objectiva, porque a curva de gauss pode demonstrar que a ausência de normas é a própria norma. Há sempre uma norma qualquer, quanto mais não seja a ausência de normas, ou o caos, como norma. Um estado caótico pode ser uma norma medida pela função de gauss.

ThermodynamicsEm um estado caótico, em que a ausência de normas é a norma defendida pelos ditos “libertários de Esquerda” (que de libertários não têm nada: o libertarismo é apenas uma estratégia de assalto ao Poder) , aplica-se o segundo princípio da termodinâmica, ou princípio da entropia.

A Segunda Lei da Termodinâmica, também conhecida como Princípio de Carnot ou lei da entropia, estabelece que os processos que ocorrem naturalmente num sistema isolado (por exemplo, um país com um Estado) aumentam, ao longo do tempo, a entropia do sistema. Ou seja, a quantidade de entropia (desorganização, ou desordem) de qualquer sistema tende a aumentar com o tempo e de uma forma espontânea, até alcançar um valor máximo.

Por exemplo, num chuveiro existe normalmente um cano de água fria e outro cano de água quente; as moléculas de água fria e as de água quente, provenientes dos dois canos, misturam-se de uma forma desorganizada (sem normas) no cano principal do chuveiro antes que a torneira seja aberta. Só quando a torneira é aberta é que a entropia é vencida e as moléculas da água são organizadas (assumem uma norma!) em forma de água tépida (uniformização) que sai do chuveiro.

Ou seja a noção da Esquerda de “tradição” como sendo “não-tradição”, é entrópica. A Esquerda causa entropia em uma sociedade. E quando a entropia em uma sociedade atinge o seu estado máximo, tende naturalmente para um sistema político (autocrático e/ou anti-democrático) que vença a entropia instalada.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Neste blogue não são permitidos comentários anónimos.