quarta-feira, 2 de março de 2016

O ataque ad Hominem a Vladimir Putin

 

Temos aqui um texto enviesado. Aliás, a “técnica” utilizada é comum: pega-se num texto escrito em uma língua estrangeira e apenas se trata uma parte dele; e quem não sabe inglês fica restringido a uma informação tratada parcialmente. Chama-se a isso sub-informação.

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Vamos lá ver alguns argumentos do textículo brasileiro supracitado:

Vladimir Putin fez parte do Partido Comunista da ex-União Soviética.

O próprio Vladimir Putin nunca escondeu esse facto. Aliás, é raro o cidadão russo com mais de 50 anos de idade que não tivesse tido qualquer tipo de ligação com o Partido Comunista da ex-União Soviética. Mas não só. Por exemplo, Olavo de Carvalho também foi comunista na sua juventude e não escondeu esse facto. As pessoas mudam. Hayek foi socialista enquanto jovem; Karl Popper também foi socialista; o próprio Leo Strauss foi socialista na sua juventude.

Outro exemplo: Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, pertenceu ao Partido Comunista. Mas só um estúpido poderá dizer que ele é hoje comunista!

Segue-se, daquele texto brasileiro, que o corolário lógico para a Rússia actual seria o de proibir todos os cidadãos com mais de 50 anos de exercer qualquer cargo político — porque a esmagadora maioria desses cidadãos tiveram uma qualquer ligação orgânica com o Partido Comunista da ex-União Soviética. Se isto não vos parece absurdo, lamento imenso.

Vladimir Putin tem orgulho da sua história pessoal.

Qualquer pessoa que não seja um invertebrado moral tem orgulho da sua história pessoal, tendo porém consciência de que o ser humano não é perfeito, e que terá cometido erros.

galao-cb-mp-webPor exemplo, eu fui Comandante de Bandeira na Mocidade Portuguesa que, alegadamente, era considerada uma organização “faxista”. O meu destino, enquanto infante português do Estado Novo, estava indissociavelmente ligado à Mocidade Portuguesa: milhões de portugueses jovens pertenceram a essa organização. Portanto, se toda essa juventude daquele tempo é hoje considerada “faxista”, estamos em presença de uma tentativa de humilhação histórica e pessoal de toda uma geração. É o que a actual Esquerda faz.

A tentativa de humilhar o passado histórico de um país ou de uma nação é uma característica de Esquerda — e é comum, por exemplo, hoje nos Estados Unidos através da reconstrução da História. Segundo a Esquerda, o passado (a História) é má e deve ser apagada, e o que importa é a construção dos “amanhãs que cantam”. Como diz o reaccionário Nicolás Gómez Dávila:

“Criticar o presente em nome do passado pode ser fútil, mas criticá-lo em nome do futuro pode tornar-se risível quando o futuro chegar”.

A Esquerda propriamente dita — o chamado politicamente correcto ou marxismo cultural — critica o passado e o presente em nome do futuro. Isto passa-se hoje nos Estados Unidos e em Inglaterra, e por influência cultural destes países, na maioria dos países da Europa ocidental. Pretendem que as nações tenham vergonha das suas respectivas histórias — como se passa hoje também no Brasil na crítica à colonização portuguesa. Podem criticar à vontade, porque eu tenho orgulho na História e na colonização portuguesas.

Vladimir Putin guarda o cartão de pertença ao Partido Comunista da ex-União Soviética

Imaginem que Olavo de Carvalho queimasse os textos que escreveu na sua juventude, quando ele era comunista. É claro que, provavelmente, ele os guarda; mas isso não significa que hoje ele seja comunista. Eu próprio guardo as insígnias da Mocidade Portuguesa, o que não significa que hoje eu concordasse com a existência dessa organização. ¿Se eu tenho orgulho em ter pertencido à Mocidade Portuguesa? Tenho. ¿A Mocidade Portuguesa faz sentido no Portugal actual? Não. Ter orgulho crítico — sublinho: crítico — da nossa experiência de vida pessoal é um bem, e não um mal.

Vladimir Putin diz que os ideais socialistas são bons.

Este argumento, invocado no texto brasileiro, é parcial, porque no texto original em inglês está escrito o seguinte:

« “The Code proclaims very good ideas: equality, brotherhood, happiness”, the president said.

"But practical realization of these remarkable ideas in country was far from what utopian Socialists had been setting out. Our country did not resemble Sun City," said the Russian head of state. »

Esta parte do texto original em inglês foi escamoteada pelo texto brasileiro (sub-informação). Eu vou traduzir as palavras de Putin:

“O código [socialista] proclama muito boas ideias: igualdade, fraternidade, felicidade. Mas a realização prática destas boas ideias no nosso país estiveram longe do que os socialistas utópicos tinham programado. O nosso país não se parece com a Cidade do Sol”.

Se isto não é uma crítica velada ao comunismo, não sei o que seja. O que Vladimir Putin pretende dizer, por outras palavras, é o seguinte: “eu gostava de ter um paraíso na terra, mas isso é impossível”. ¿E quem não gostaria de ter um paraíso na terra? As “boas ideias”, muitas vezes, são utópicas, ou seja, não têm realização prática possível.

Finalmente: não devemos fazer ataques ad Hominem seja a quem for. Quando se ataca Putin ad Hominem, quem o faz já perdeu o debate. Deve-se atacar Putin, se for caso disso, pelas suas acções e pelas consequências dessas acções.

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