sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

O Domingos Faria sabe mais de ética católica do que o S. Tomás de Aquino

 

Aristóteles dizia que quando partimos de um princípio errado, todo o nosso raciocínio consequente (por mais “lógico” que seja) está errado. É o caso do Domingos Faria: parte de um princípio errado e por isso incorre (através da lógica mesma) em uma interpretação delirante dos factos.

O primeiro princípio errado é o seguinte: não são os “católicos mais conservadores” ou “mais tradicionalistas” que defendem a ideia segundo a qual o adultério é um pecado mortal: é o próprio Chico a quem chamam de "papa" que defende essa ideia — a não ser que o Domingos Faria venha agora com a ideia peregrina segundo a qual o Chico é um “radical ortodoxo”...!

O adultério é um pecado grave ou mortal na exacta medida em que viola o 9º Mandamento.

O segundo princípio errado do Domingos Faria é o seguinte: ele parte do princípio de que a moral católica se aplica, hoje e necessariamente, a toda a sociedade — o que é falso. A moral católica, hoje como era no tempo de Santo Agostinho, aplica-se aos católicos. Não se deve exigir coercivamente de um pagão moderno que siga a moral católica.

Ademais, o Domingos Faria abusa do conceito de “intenção” (de boas intenções está o inferno cheio) ou de “intencionalidade”. Uma boa intenção pode atenuar um erro, mas não o elimina (S. Tomás de Aquino): o Domingos Faria pensa como um luterano, com a teoria da justificação, em que a moral não é objectiva.

O protestantismo transformou a interiorização do Cristianismo em simples idiossincrasia que permite que perguntemos ao indivíduo pela sua religião, depois de lhe termos perguntado qual a sua côr preferida e qual o seu clube de futebol.


O Domingos Faria deveria saber que a ética católica se distingue, em muito, da ética de Kant, e muito mais da ética intencionalista de Abelardo.

Para o católico, a boa intenção (ou a falta de consciência) é apenas e só uma atenuante — assim como Jesus Cristo disse à mulher adúltera: Vai à tua vida, mas não voltes a pecar!, ou seja, tens atenuantes mas não repitas a receita. Existe em Jesus Cristo uma reprimenda implícita em relação ao comportamento da mulher adúltera. Podemos constatar isto mesmo na ética de S. Tomás de Aquino:

1/ o ser humano tende necessariamente para o seu fim; como todos os seres vivos, tem um arbítrio: move-se por si mesmo e escolhe certos actos entre outros; mas, diferentemente dos outros seres vivos, o Homem é capaz de se representar o objecto do seu desejo na ausência deste, porque pode tornar, ou não, presente um objecto como desejável — e por isso, o arbítrio do Homem é livre (Suma Teológica, I, 59,3);

2/ no Homem, a vontade é um desejo informado pelo intelecto (idem);

3/ a contingência da escolha releva dos juízos racionais que propõem a alternativa dos actos possíveis. Mas, a partir do momento em que o Bem se apresenta ao intelecto, este deseja-o naturalmente — mesmo se mantém a capacidade de se abster! A falta consiste em querer um bem particular que não é o bem devido, e explica-se pela mediação do intelecto: este pode apresentar ao desejo um objecto menos perfeito do que o Bem, e arrastar então o homem para uma escolha desviante (para uma falta). A raiz do pecado reside no intelecto e a liberdade humana consiste em querer o que é racional (o que corresponde a uma ordem cósmica!) — quando o intelecto apresenta ao apetite o Bem verdadeiro e não um bem aparente;

4/ a lei (ética) é uma “ordenação da razão” que tem “em vista o bem comum” para “aquele que tem o encargo de velar pela comunidade”, e “exige promulgação” (Suma Teológica, I,II,90,4). De Deus ao mais humilde homem, passando pelo príncipe, escalona-se toda uma hierarquia de legisladores: cada homem é livre, dotado de uma razão autónoma e legisladora, mas submetida à razão do Legislador Supremo — uma vez que toda a lei exprime a razão divina!;

5/ a lei manifesta-se em três graus: a lei divina, que é sabedoria eterna de Deus; a lei natural, que é a tradução da lei divina na ordem natural; e a lei humana, que é a sua formulação positiva e particular. Neste edifício insere-se a doutrina da virtude: um acto é moralmente bom quando é virtuoso: o vício é contra a natureza. Ora, como o ser humano é racional, o bem moral é aquilo que está de acordo com a razão (Ibidem, I,II,71,2): como em Aristóteles, S. Tomás de Aquino demonstra que a virtude consiste em ordenar as nossas paixões segundo a razão e não em suprimi-las (como defendeu o estoicismo).

6/ cada ser humano está condicionado pelo seu próprio intelecto. Neste contexto, um acto apenas é moral se se conforma com o ditame da consciência. O acto cometido por uma consciência errónea continua a ser mau em si mesmo e distinto daquele que obrigaria uma consciência bem informada. E obedecer à sua consciência errada nada retira à falta prévia de não ter informado a sua consciência: se apenas podemos obedecer à nossa má natureza, temos o dever de a substituir por uma melhor sempre que pudermos.


O exemplo da “provável viúva”, dado pelo Domingos Faria, não “cola”. A lei do Direito Positivo dos “cinco anos de espera da viúva” (ou viúvo) tem origem na tradição católica que seguiu a tradição do Direito romano do tempo de espera do cônjuge provavelmente morto na guerra. Portanto, não se coloca o problema da “presumível viúva que comete adultério”. Na lei católica medieval, um cruzado desaparecido em combate, por exemplo, obrigava a sua esposa a uma espera de cinco anos — salvo se houvesse testemunho fidedigno de que o marido se encontrava cativo dos mouros; de outro modo, ao fim do tempo de espera, a viúva estava livre para casar novamente porque o marido era suposto morto pela própria comunidade.

Quem estudou filosofia, sabe que a tese do Domingos Faria é idiota. Ele pode até perceber muito de lógica, mas contradiz-se quando nega a lógica através de uma defesa da casuística.

O problema da Igreja Católica actual é que gente como o Domingos Faria ou o Anselmo Borges pretende saber mais de ética católica do que S. Tomás de Aquino, por exemplo.


Finalmente: Santo Agostinho não era contra o divórcio e/ou contra o segundo casamento.

Segundo Santo Agostinho:

1/ o divórcio de mulher e homem cristãos (católicos) não é tolerável nem permitido pela Igreja Católica. Mas se um dos cônjuges não for católico e pretender o divórcio do outro cônjuge que é católico (ou vice-versa), a Igreja Católica deve aceitar esse divórcio, por um lado, e permitir que o cônjuge católico divorciado volte a casar, desta vez pela Igreja Católica, com um novo cônjuge católico.

2/ a união sexual do homem e da mulher é natural e é boa. O bem do casamento não é somente a procriação (procriação = colaboração com a obra do Criador), mas é também a união indissolúvel (figura simbólica da união de Jesus Cristo com a Igreja).

3/ a virgindade antes do casamento não é um bem absoluto, mas é “a melhor das coisas boas”: a virgindade é preferível, mas não condição necessária do casamento. O que é um bem em si é o casamento.

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