O Ludwig Krippahl escreve aqui um texto que rebate (ou contradiz) a ideia segundo a qual
“a ética é uma palhaçada, porque, enquanto os objectos de estudo [da ciência] continuariam a existir quer existissem humanos ou não, os valores morais não existem sem sujeitos”.
Ora, o que o Ludwig Krippahl está a contraditar, são exactamente os princípios filosóficos que regeram o advento da modernidade — Francis Bacon, Hobbes (principalmente), e Descartes.
Antes de continuar, convém dizer o seguinte: o Realismo é essencial para a ciência (a ideia de que o mundo objectivo existe independentemente do ser humano existir ou não: por exemplo, o universo, ou os números primos existem independentemente de os seres humanos existirem ou não), mas o Realismo também é essencial na ética — a ideia de que os valores existem independentemente de os seres humanos os conhecerem, ou não: por exemplo, o valor da “justiça” existe por si mesmo, independentemente da subjectividade do ser humano.
A partir do momento em que o valor da “justiça” (por exemplo) deixa de existir por si mesmo (“Realismo”; por favor ler a “Ética” de Nicolau Hartmann) e passa a depender da mera opinião do ser humano, estaremos todos “futricados”.
A nossa experiência subjectiva não impede que exista uma objectividade (Realismo) dos valores (éticos), e mesmo não impede que possam existir valores (éticos) que o ser humano (subjectivo) ainda não descobriu.
1 / Para Francis Bacon, a ciência é votada a uma completa manipulação da Natureza (incluída a Natureza Humana). Para Bacon, a felicidade (humana) individual (ética) não era o mais importante dos bens, porque o que o fascinou foi a ideia do Poder (através da ciência).
Para Francis Bacon, o “reino do homem” incluía, em primeiro plano, a exploração técnica das riquezas da Natureza → a dotação da vida humana com “invenções e recursos novos” constituía a finalidade “verdadeira e legítima” das ciências [Francis Bacon, “Novum Organum, I, 81]. Para Bacon, o conhecimento exacto (científico, e não apenas empírico) da “força” e das “acções” de todos os corpos devia “permitir o emprego de toda a espécie de usos”, e assim transformar o ser humano em “senhor e dono da Natureza”.
2/ Hobbes e Descartes basearam-se no conceito de “reino do homem”, de Bacon, e partiram para a mecanização da Natureza e do ser humano (tudo isto em nome da “ciência”) — a ideia do mundo como um grande sistema mecânico. Destes dois, Hobbes foi o mais patético, e a tal ponto que até o seu conterrâneo Bertrand Russell não pôde deixar de o criticar severamente.
Descartes compreendeu o ser humano como uma máquina, com um sistema de “tubagens” e “roldanas” — o cérebro é avisado do calor do pé através de tubos, e este é reconhecido como dor na glândula pineal. Neste modelo, tudo no ser humano pode ser “cientificamente explicado” em termos de mecânica.
3/ É nesta tradição (de Hobbes e de Descartes) determinista e mecanicista, que surge um tal Richard Dawkins:
“Nós somos máquinas de sobrevivência — robôs programados cegamente para a manutenção das moléculas egoístas, que se chamam genes” (Richard Dawkins, “River Out of Eden”, 1995).
Isto significa que nenhum ser humano age verdadeiramente bem, porque o interesse de sobrevivência dos “genes egoístas” está para além do bem e do mal (Nietzsche “compreendeu” isto muito antes de Richard Dawkins).
Acontece que, por vezes, (segundo Richard Dawkins) a estratégia dos “genes egoístas” pode resultar em algo como o bem-estar do grupo ou da comunidade, mas isto deve ser considerado como um subproduto sem valor moral próprio: o bem-estar causado não se deve à moral, ou à justiça, não por causa do valor da justiça, mas tudo por causa das vantagens próprias (do tal “gene egoísta”). O “gene egoísta” impõe o seu valor na sociedade, através da “moral” e do Direito, alcançando assim o seu máximo sucesso.
Se consideramos que o ser humano não passa de uma máquina, o pensamento de Richard Dawkins acerca do Homem faz todo o sentido; e quem diz que “a ética é uma palhaçada”, seguiu uma tradição ética modernista que vem (pelo menos) de Francis Bacon, até Richard Dawkins, passando por Descartes e Hobbes.
4/ O problema, aqui, é o de contrariar o conceito de “reino do homem” de Francis Bacon, sem cair na negação da ciência que caracteriza o pós-modernismo (Bloco de Esquerda, Livre, PAN — Pessoas-Animais-Natureza, et Al). E para isso é preciso compreender o que Kant nos quis dizer acerca do Homem no Mundo (e, neste aspecto, discordo de Olavo de Carvalho acerca de Kant).
Kant tem sido negado (ou ferozmente criticado) por um certo tipo de teologia (empiricismo radical e literal), por um lado, e pelos pós-modernistas (subjectivismo radical e marxismo cultural), por outro lado.
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