quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Se não existisse, o Henrique Pereira dos Santos teria que ser inventado


Montesquieu escreveu que “se Deus não existisse, teria que ser inventado”; só Deus sabe por que razão o Montesquieu escreveu aquilo. Porém, há pessoas que, se não existissem, teriam que ser inventadas — como, por exemplo, a Lili Caneças, ou o Henrique Pereira dos Santos — porque nos animam a alma com truísmos histriónicos.



O Henrique Pereira dos Santos, que se diz da Não-Esquerda, desata a defender a descolonização soarista de uma forma ilógica — porque a única forma de defender logicamente a descolonização soarista é adoptando princípios de valorização marxista.

O que [André Ventura] disse é duplamente injusto porque está a aplicar a um tempo passado pontos de vista do presente (nisso se aproximando da lógica woke) e a concentrar em Mário Soares aquilo que foi uma opção colectiva: a de sacrificar a liberdade de guineenses, angolanos e moçambicanos à defesa da liberdade de portugueses.”

Em primeiro lugar, é impossível sacrificar a liberdade (básica) de outrem para obtermos a nossa liberdade (básica): uma liberdade obtida por intermédio da opressão de outrem, está condenada ao fracasso.

Hannah Arendt (“A Crise da Cultura”) demonstrou como, sem uma vida pública politicamente garantida, a liberdade, sob qualquer forma que a perspectivemos, não pode ter qualquer realidade mundana. Sacrificar a liberdade de outrem para, por esse facto, sermos nós livres, é uma contradição em termos.

Ora, a ideia (do Henrique Pereira dos Santos) segundo a qual os portugueses conscientemente escolheram sacrificar a liberdade de outros povos para poderem ser livres, só pode vir de uma mente formatada com os valores da Lili Caneças. É deste tipo de mentalidade histriónica que é feita a "Direitinha" fofinha: não me admiraria que o Henrique Pereira dos Santos criticasse a celebração, no parlamento, do 25 de Novembro.

Ademais, o pensamento do Henrique Pereira dos Santos está (¿inconscientemente?) imbuído de princípios rosseaunianos (que caracterizaram a Esquerda): aquilo a que ele chama de “opção colectiva” do povo português — que é diferente de “vontade da maioria” — é uma tradução, para a linguagem comum, da “vontade geral” de Rousseau. Rousseau baseou-se na filosofia política de Hobbes que considerou a sociedade civil com uma “pessoa” — com tudo o que isso implica: personalidade, carácter, vontade, etc. E a vontade dessa pessoa colectiva (segundo Rousseau) é o resultante da soma das diferenças existentes entre os cidadãos.

«Se quando o povo, bem informado, toma deliberações, os cidadãos não comunicam entre si, a soma das pequenas diferenças daria sempre a "vontade geral" e a decisão seria boa.»

— “Contrato Social”, Livro III, cap. I

Rousseau parte do princípio de que, em um povo bem informado, os cidadãos não comunicam entre si (!).

Acrescenta, Rousseau:

“Isto [a obediência à "vontade geral"] significa nada menos do que obrigá-lo [ao cidadão] a ser livre”.

Foi o que, mutatis mutandis, aconteceu em Portugal: o povo português foi obrigado a ser livre através da “vontade colectiva” de que nos fala o Henrique Pereira dos Santos. E, para que o povo português fosse obrigado a ser livre, teve que se sacrificar a liberdade de outros povos mediante a imposição política de uma “vontade colectiva” que nada mais é do que um eufemismo de "Vontade Geral".

Se isto é liberdade, “vou ali e venho já”.

Finalmente, o Henrique Pereira dos Santos diz que a interpretação, com lentes actuais, do que se passou há 40 anos, é uma expressão da falácia de Parménides. Esta posição é, em si mesma, uma falácia — porque quatro décadas não são séculos.
A esmagadora maioria das pessoas vive mais do que 40 anos.

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