terça-feira, 24 de dezembro de 2013

¿“Quem sou eu para julgar”? — a pergunta diabólica do cardeal Bergoglio

 

“A ética é a estética da conduta” — Nicolás Gómez Dávila

Qualquer pessoa com um mínimo de estética em relação à conduta, produz juízos de valor acerca dos comportamentos — seus e dos outros. Qualquer pessoa que se refira ao comportamento seu e/ou de outrem, com a pergunta ¿Quem sou eu para julgar?, é um relativista. O nosso juízo sobre os outros pode estar certo ou errado, mas é nosso dever e até obrigação não abdicar do juízo baseado em valores. S. Tomás de Aquino coloca o problema da seguinte maneira (o arrazoado que resume o pensamento do santo é da minha lavra):

  • o ser humano tende necessariamente para o seu fim; como todos os seres vivos, tem um arbítrio: move-se por si mesmo e escolhe certos actos entre outros; mas, diferentemente dos outros seres vivos, o Homem é capaz de se representar o objecto do seu desejo na ausência deste, porque pode tornar, ou não, presente um objecto como desejável — e por isso, o arbítrio do Homem é livre1;
  • no Homem, a vontade é o desejo informado pelo intelecto1;
  • a contingência da escolha releva dos juízos racionais que propõem a alternativa dos actos possíveis. Mas, a partir do momento em que o Bem se apresenta ao intelecto, este deseja-o naturalmente — mesmo se mantém a capacidade de se abster! A falta consiste em querer um bem particular que não é o Bem devido, e explica-se pela mediação do intelecto: este pode apresentar ao desejo um objecto menos perfeito do que o Bem, e arrastar então o homem para uma escolha desviante (para uma falta). A raiz do pecado reside no intelecto, e a liberdade humana consiste em querer o que é racional (em querer o que corresponde a uma ordem cósmica!) — quando o intelecto apresenta, ao apetite, o Bem verdadeiro e não um bem aparente;
  • a lei (ética) é uma “ordenação da razão” que tem “em vista o bem comum” para “aquele que tem o encargo de velar pela comunidade”, e “exige promulgação” 2. De Deus, ao mais humilde homem, passando pelo príncipe, escalona-se toda uma hierarquia de legisladores: cada homem é livre, dotado de uma razão autónoma e legisladora, mas submetida à razão do Legislador Supremo — uma vez que toda a lei exprime a razão divina!;
  • a lei manifesta-se em três graus: a lei divina, que é sabedoria eterna de Deus; a lei natural, que é a tradução da lei divina na ordem natural; e a lei humana, que é a sua formulação positiva e particular. Neste edifício insere-se a doutrina da virtude: um acto é moralmente bom quando é virtuoso: o vício é contra a natureza. Ora, como o ser humano é racional, o bem moral é aquilo que está de acordo com a razão3: como em Aristóteles, S. Tomás de Aquino demonstra que a virtude consiste em ordenar as nossas paixões segundo a razão e não em suprimi-las (como defendeu o estoicismo).



Sobre o “juízo moral” dos outros e de si mesmo — aquilo que o cardeal Bergoglio recusa fazer! —, S. Tomás de Aquino diz o seguinte:

  • cada ser humano está condicionado pelo seu próprio intelecto. Neste contexto, um acto apenas é moral se se conforma com o ditame da consciência. O acto cometido por uma consciência errónea continua a ser mau em si mesmo e distinto daquele que obrigaria uma consciência bem informada. E obedecer à sua consciência nada retira à falta prévia de não ter informado a sua consciência: se apenas podemos obedecer à nossa má natureza, temos o dever de a substituir por uma melhor sempre que pudermos.

Isto significa o seguinte: mesmo que eu esteja errado acerca de um juízo sobre a conduta de outrem, é sempre melhor eu ter um juízo errado mas conforme à minha consciência, mesmo que errónea, do que não ter nenhum juízo. Se eu estiver errado acerca do meu juízo sobre outrem, então é meu dever informar melhor a minha consciência — porque um acto apenas é moral se se conforma com o ditame da consciência.


Neste contexto, a pergunta ¿Quem sou eu para julgar?, vinda de um papa (sublinho: vinda de um papa!), é uma pergunta diabólica: só lembra ao Diabo ou a um seu representante.

10-mandamentosUm Papa propriamente dito nunca colocaria o problema ético desta maneira. Por isso é que eu não estou tão optimista quanto se escreve aqui (o sublinhado é meu):

“De resto, tenha-se isto bem claro: o mundo vibra com Francisco porque pressupõe que este vai abolir o Decálogo, em especial, os 1º, 5º, 6º e 9º mandamentos, num corolário lógico dos pronunciamentos ambíguos em que se multiplicou nos últimos tempos; porém, sendo o Decálogo uma lei divina, ninguém o pode abolir, pela simples razão de que tal é por natureza impossível. E Francisco - que obviamente sabe bem isto - deve tão rapidamente quanto possa pôr cobro ao grave equívoco que gerou, sob pena de o mundo que agora tanto o idolatra se vir a voltar contra ele com igual furor.”

Muita gente ainda não percebeu que o que está em marcha com o cardeal Bergoglio no Poder da Igreja Católica, é uma obliteração4 parcial da doutrina da Igreja e das Escrituras através uma estratégia cultural de obnubilação5 de determinados conteúdos de valor ético das Escrituras e dos fundamentos do catolicismo. Se repararmos, por exemplo, no discurso do Frei Bento Domingues (o burro com duas pernas), verificamos esse radicalismo de desconstrução ideológica dos fundamentos objectivos da doutrina primordial da Igreja Católica.

Sendo verdade que não é possível abolir o decálogo (porque uma coisa não deixa de existir na realidade mesmo que recusemos ou neguemos subjectivamente a sua existência), o cardeal Bergoglio e os seus acólitos podem — e estão já a fazê-lo! — dar-lhe uma importância secundária e relativa que gere a tal obliteração e obnubilação cultural dos valores prescritos no decálogo.

A ambiguidade do cardeal Bergoglio não é inocente ou apenas idiossincrática: antes, é diabólica!

Notas
1. Suma Teológica, I, 59,3
2. Suma Teológica, I,II,90,4
3. Ibidem, I,II,71,2
4. obliteração: fazer desaparecer pouco a pouco; apagar insensivelmente deixando vestígios
5. obnubilação: obscurecimento dos sentidos, da inteligência ou das ideias; turvação

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