terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Não devemos confundir liberalismo e relativismo

 

Talvez o maior problema dos “integralistas lusitanos” é o romantismo da doutrina. E “romantismo” quer dizer “império da emoção sobre a razão”. Mas não há nada a fazer: são assim mesmo. Um romântico nunca se muda.

“A propósito, um texto lapidar de João Ameal, visando o liberalismo: " De uma condescendência universal e absoluta, o liberalismo atribui a cada teoria uma parcela de verdade e declara todas as opiniões respeitáveis e legítimas - sem distinguir entre a vítima e o criminoso, entre o escol das competências e a incompetência do Número...

Ora, se todas as opiniões são respeitáveis e legítimas, como havemos de bater-nos pela nossa - tão verdadeira como outra que se lhe oponha? Assim raciocina o liberalismo. Por isso, leva à falta de firmeza nos princípios. E a falta de firmeza nos princípios leva, por sua vez, à falta de segurança na acção.”

O relativismo é tão antigo (pelo menos) quanto o sofismo é antigo; e tentar dizer que o relativismo surgiu com o liberalismo é um sofisma.

Quando se fala em liberalismo, há que distinguir entre liberalismo político, por um lado, e liberalismo económico, por outro lado. O liberalismo político implica “discussão de ideias” na procura da verdade, e portanto, não pode ser verdade que “o liberalismo político atribui a cada teoria uma parcela de verdade e declara todas as opiniões respeitáveis e legítimas”. Antes, é o relativismo que “atribui a cada teoria uma parcela de verdade e declara todas as opiniões respeitáveis e legítimas”.

Um liberal — no sentido político e clássico do termo, ou seja, no sentido de Locke — não é necessariamente um relativista.

O tal João Ameal (que eu não sei quem é, mas para o caso pouco importa) mistura em um mesmo raciocínio o liberalismo  político, o liberalismo económico, e o relativismo , quando diz o seguinte:

“sem distinguir entre a vítima e o criminoso, entre o escol das competências e a incompetência do Número...”

A “não distinção entre a vítima e o criminoso” é uma postura ética relativista que foi potencializada, em termos da economia política, por uma corrente económica do século XIX conhecida por Marginalismo. Mas essa postura ética não é a mesma do liberalismo original de Locke que não foi um filósofo relativista.

Por outro lado, a ideia segundo a qual as elites têm mais razão do que o povo“escol das competências e a incompetência do Número...” — é absolutamente falsa! Por aqui se vê como os integralistas lusitanos adoptaram Rousseau e o seu conceito de “vontade geral”, em todo o seu esplendor...!

Se olharmos para a História — neste caso, a História de Portugal —, e salvo algumas excepções como a da Ínclita Geração, o povo teve quase sempre mais razão do que as elites. Aliás, em Portugal quase não existiram elites senão as “cliques” das II e III repúblicas, porque até ao Absolutismo, as “elites” e o povo viviam identificados entre si. Não quero com isto dizer que concordo com a frase “Voz do Povo, voz de Deus”: apenas quero dizer que, ao longo da História, o povo errou menos do que as ditas “elites”.


Platão perguntou: “Quem deve governar?”

E concluiu que quem deve governar é uma elite (O Rei-filósofo). Rousseau não contestou Platão e adoptou o mesmo princípio, embora alegadamente em nome da democracia (!?).1

Mas a questão, a de Platão e de Rousseau, está mal colocada: a questão não é a de saber “¿Quem deve governar?”, mas sim: ¿Que Poder deve ser concedido ao governo?”. Ou outra pergunta: “¿Pode o governo fazer o que lhe der na real gana?”. E parece que os integralistas lusitanos respondem afirmativamente a esta última pergunta.

A pergunta de Platão nunca foi rejeitada, até hoje. E os “integralistas lusitanos” actuais continuam a fazer a mesma pergunta de Platão e de Rousseau: “¿Quem deve governar...?”

Nota
1. Rousseau tirou uma conclusão inversa da de Platão em relação à mesma pergunta: concluiu que quem deve governar é o conceito abstracto de “vontade geral”.

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