quinta-feira, 31 de julho de 2014

António de Sousa Lara e o multiculturalismo em Portugal

 

Um facto é algo que adquiriu uma estrutura na nossa consciência e, por isso, é um dado da experiência (que pode ser subjectiva) com o qual o pensamento pode contar. Ou seja, um facto pode ser subjectivo e/ou intersubjectivo. Um “facto intersubjectivo” é o que normalmente se chama de “facto objectivo” — que não é uma redundância, ao contrário do que pensa.

Vejamos agora a seguinte proposição :

“Com algum inêxito, devo reconhecer, tenho combatido, com o sentimento de estar a falar sozinho, contra a perversa ideologia, útil aos senhores deste mundo, que insiste e actua, na área das ciências sociais, como se a neutralidade fosse uma realidade (...) nem os factos são neutros porque as conjunturas são sempre ideológicas.”

Estamos a falar de neutralidade nas ciências sociais. Neutralidade significa imparcialidade.

A seguir, António de Sousa Lara (o autor do trecho) escreve o seguinte:

“Exemplifico: Quis saber qual a percentagem de crimes graves e violentos que são perpetrados em Portugal por portugueses com cultura portuguesa (ou seja pelos autóctones de cultura histórica portuguesa). Cheguei à conclusão que são cerca de metade dos cometidos. A outra metade é levada a cabo por imigrantes de leste, imigrantes africanos, muitos são oriundos dos PALOP´S, e por outros alienígenas.”

Ou seja, ele recorreu às estatísticas que transformam os factos intersubjectivos em uma espécie de lei que resulta de uma verificação da regularidade dos fenómenos.

Mas um facto não é sempre um fenómeno. O enunciado de uma lei científica, acerca de um fenómeno, transforma-a em facto intersubjectivo que não se confunde com o fenómeno em si mesmo.

Porém, as estatísticas (sejam nas ciências naturais, sejam nas ciências sociais) são sempre baseadas no passado, o que significa que existe uma probabilidade de os “fenómenos verificados” (ou seja, fenómenos transformados em “factos intersubjectivos”) apresentarem uma certa regularidade no futuro. Mas não existe uma certeza acerca dessa regularidade no futuro.

Nas ciências sociais, essa probabilidade de futuro baseada nas estatísticas é muitíssimo menor quando comparada com as ciências da natureza — porque as ciências sociais lidam com sujeitos (detentores de consciência).

Por isso podemos falar em um “triunfo do método pseudo-científico das ciências naturais” na medida em que as ciências sociais adoptaram esse método (o das ciências naturais). A vitória das ciências sociais representa uma vitória de uma metodologia pretensamente observadora (ver observação), pretensamente descritiva e pretensamente indutivo-generalizante e objectivante e, portanto, aparentemente científico-natural.

Portanto, verificamos que a vitória das ciências sociais é uma vitória de Pirro. E  este problema tem menos a ver com as ciências sociais do que com a “lógica de uma ideia” (ideologia) que zurze o real e tende a negar os factos intersubjectivamente verificados pelas estatísticas — o que não significa que essas estatísticas sejam infalíveis quando nos referimos ao futuro; e aqui Sousa Lara também pode ser criticado por partir do princípio positivista segundo o qual “o futuro é certo a partir dos dados do passado”.

A “lógica de uma ideia” assentou arraiais na nossa cultura a partir de Hegel e do seu conceito de que “o que é razoável é verdadeiro” — o que é uma forma de Positivismo: valores morais e jurídicos (por exemplo, a justiça) são substituídos por “factos positivos” (o facto intersubjectivo é considerado por Hegel como verdadeiro a partir da moral e do Direito dominantes a cada época).

A amálgama positivista de valores, normas e de factos é uma consequência da teoria de conhecimento de Hegel; e quando as ciências sociais tentam adoptar o método das ciências da natureza (seguindo as estatísticas dos factos intersubjectivos baseadas no passado), nada mais fazem do que adoptar o conceito hegeliano segundo o qual “o Direito é o Poder” (o “Poder do presente = Direito”), por um lado, e por outro lado o conceito de que “o Poder do Futuro = Direito”.

O “Direito = Poder do presente e do futuro” é assim colocado ao serviço de uma “lógica de uma ideia” que, neste caso concreto referido por Sousa Lara, é o multiculturalismo. E como qualquer ideologia política, o multiculturalismo parte do princípio hegeliano segundo o qual a ideia pode moldar o real naquilo em que este tem de mais fundamental.

Um exemplo histórico de como o multiculturalismo falhou foi a auto-destruição do império austro-húngaro (mais um facto estatístico que é do passado, que “a lógica de uma ideia” recusa aceitar) que causou a I Guerra Mundial e o início da decadência europeia. E é esse mesmo multiculturalismo que está na génese da construção da União Europeia — e por isso é que as estatísticas acerca da imigração são ocultadas em relação aos portugueses.

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