quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

O libertarismo é um puritanismo

 

O Rui Ramos escreve aqui um artigo ambíguo, ambivalente e até contraditório — porque o fundamento de que parte o seu (dele) raciocínio não é claro e inteligível.

Antes de mais, convém dizer que nada está acima da crítica; nem o Papa. As religiões são susceptíveis de crítica, como é óbvio. Mas temos que definir “crítica”, porque de outro modo não sabemos do que estamos a falar — como acontece com o texto do Rui Ramos.

Em segundo lugar, convém dizer que o homicídio é um acto social- e espiritualmente condenável.


“Crítica” não é a mesma coisa que “humilhação”.

O Rui Ramos não deveria confundir “liberdade de expressão” com “liberdade de excrementação”. Também existe a liberdade de borrar as paredes com grafiti, o que não significa que essa liberdade de excrementação seja necessariamente consentânea com o bom-senso. O bom-senso pode ser definido como o juízo prudente e saudável baseado na simples percepção das situações e dos factos – juízo esse que concede à sociedade um nível básico de julgamentos e de conhecimentos que lhe permita viver de uma forma razoável e segura.

A crítica pode ser, no sentido comum, “denúncia vigorosa” ou “contestação”. Mas é sobretudo a análise dos fundamentos de qualquer coisa ou de qualquer ideia. A crítica remete para uma actividade especial da razão: fazer divisões, discernimentos e juízos. A crítica é também a razão na sua dimensão jurídica: aparece como censor e juiz, separando o trigo do joio, distinguindo o verdadeiro do falso, o bom do mau.

Quando a crítica não obedece a estes critérios, não é crítica: é humilhação. E a humilhação é sempre uma característica de um qualquer puritanismo. A humilhação de outrem é uma característica do puritanismo politicamente correcto.

Diz o Rui Ramos que “o limite da liberdade é a lei”.

Bem, se assim for, na lei da selva, então a liberdade é ilimitada; mas isso não é liberdade, mas antes é libertinagem. Basta que o Código Penal seja reduzido apenas à  condenação do homicídio para que a liberdade seja concebida como um conjunto de actos gratuitos. Longe vão os tempos do Iluminismo e de Kant, que dizia que a liberdade é simultaneamente negativa (a pessoa livre de coacção) e positiva (o cidadão legislador).

Hoje, o libertarismo que o Rui Ramos defende é uma vergôntea do puritanismo que ele próprio critica nos outros: o puritanismo libertário tem a sua própria austeridade e rigidez de princípios que passa, por exemplo, pela sistemática humilhação irracional de outrem — e não pela crítica propriamente dita que deve ser sempre racional.

¿Podemos criticar, por exemplo, o Alcorão? Claro que sim! — mas por razões objectivas, e não com o propósito de humilhar. Uma “crítica” não significa “humilhação”, porque a humilhação é sempre irracional, e a crítica é racional.

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