sábado, 28 de dezembro de 2013

‘Pelos seus frutos os conhecereis’

 

O mito moderno do progresso através do processo histórico erradica valores fundamentais, como por exemplo, o direito inalienável à vida humana e, nomeadamente, à vida uterina; o conceito moderno de “progresso” transforma-se num regresso à barbárie.

Quando analisamos a Igreja Católica do cardeal Bergoglio (aka Francisco), temos que separar o fenómeno “Bergoglio”, por um lado, dos epifenómenos, por outro lado. Por exemplo, a proibição feita aos franciscanos, por parte do cardeal Bergoglio, de celebrar o ritual da missa de Tridento (Tridento foi a cidade onde se realizou o Concílio de Trento), é um epifenómeno; não digo que não tenha importância: o que digo é que é apenas uma consequência, um efeito, e não a causa do problema.

Quando nós não nos concentramos nas causas de um epifenómeno (de um problema), é porque não queremos resolver ou explicar esse problema; ou é porque somos estúpidos.

Antes de mais, tenho que falar aqui acerca do conceito moderno de “processo”, que se distingue do conceito de “processo” dos alquimistas medievais e mesmo do de Ambrósio de Paré (século XVI). “Processo” significava a sequência das funções que originam ou concretizam um epifenómeno entendido na sua regularidade.

Um exemplo de “processo” é o ciclo de Calvin que se verifica nas plantas, através do qual o carbono se transforma em açúcar. Até ao aparecimento de Darwin, os químicos viam a sequência de funções (o “processo”) como um epifenómeno entendido em si mesmo, e não como um fenómeno de origem causal. Ou seja: para um alquimista ou para um químico até Darwin, o “processo”, entendido em si mesmo, era um efeito de algo que estava oculto e que consistia a causa real desse efeito (o “processo”), e não propriamente uma explicação cabal da razão-de-ser de um determinado nexo causal.

Com Darwin, a coisa mudou. Quando os primeiros darwinistas defenderam a tese segundo a qual a célula viva surgia espontaneamente da lama, o lado oculto dos alquimistas desapareceu do conceito de “processo”. Afinal, se a célula viva era uma coisa tão simples de explicar à luz da “ciência”, então segue-se qualquer outra reacção química não poderia ter qualquer lado oculto. O “processo” passou a ter um nexo causal limitado e restrito a si mesmo, e sem qualquer influência oculta.

O pior aconteceu quando Karl Marx aplicou o conceito moderno e darwinista de “processo” à História e à sociedade. A História e a sociedade passaram a ser entendidas segundo o princípio simplificador e darwinista de que a célula viva se desenvolve espontaneamente a partir da lama. O lado oculto da História e da sociedade foi eliminado; ou melhor, foi “explicado cientificamente” pelas teorias marxistas: o oculto deixou de ser o transcendente dos alquimistas e passou a ser o império da imanência da modernidade.

O conceito moderno de “processo”, aplicado à História e à sociedade, está intrinsecamente ligado ao conceito moderno e historicista de “progresso” através da seguinte proposição: “O processo histórico conduz inexoravelmente ao progresso”. Este conceito hegeliano foi adoptado por Karl Marx, mas não só: entranhou-se de tal modo na cultura moderna que se transformou num mito: o mito do “progresso” através do “processo histórico”: o “progresso” foi transformado em uma lei da Natureza.

Eu não coloco em causa a possível existência de um “processo” aplicado tanto à química como às sociedades: o que eu digo é que existe um lado oculto do “processo” que o Homem não pode controlar, e por isso há que voltar, de certa maneira, ao conceito de “processo” dos alquimistas. Ou, como escreveu Edgar Morin:

“Os homens fazem a História que os faz; a História faz os homens que a fazem; os homens fazem a sua história sem a fazer.” 1



É no contexto cultural deste mito moderno que se movimenta o cardeal Bergoglio e a Igreja Católica sob a sua égide.

O Padre Nuno Serras Pereira escreve:

«Um dia, ou, para ser mais preciso, uma noite, estando a repousar do turbilhão das actividades diurnas, teve um sonho em o qual via a Igreja Mãe das Igrejas, S. João de Laterão, Sede do Bispo de Roma, do Sumo Pontífice, ameaçando desmoronamento. Era um pesadelo angustiante, tanto mais que todo o seu esforço e entrega era dedicado à “requalificação” da mesma.

Aconteceu, porém, que uma figura minúscula, insignificante, se avizinha do Templo aguentando-o a seus ombros. A figura mínima, de cabeça desproporcionada, membros diminutos, cor avermelhada, com um tubo na barriga, foi num crescendo firmando, elevando e renovando a Igreja. Francisco não acabava de espantar-se com esta visão tão surpreendente e misteriosa. Como sempre fora um varão destemido não teve pejo algum em interpelar a figura perguntando-lhe quem era.

Esta prontamente retorquiu: Eu sou o ínfimo que tu apoucas. Sou aquele que tu não vês, aquele que não abraças, nem beijas, nem é notícia, nem aparece na média, nem é a personagem do ano; aquele por quem não viajas, nem visitas, nem veneras nos antros exterminadores; sou o centro, bem no meio daquela que me gerou, a quem comparativamente prestas pouca atenção porque me tomas por uma obsessão; sou aquele que, para ti, não sou, uma prioridade.

Andas tão descentrado nas periferias que quase esqueces o centro que é afinal a condição da sua salvação. Eu sou a possibilidade da família, sou tu há 76 anos, sou Inácio, Xavier, Francisco de Assis; sou a Igreja concebida e ainda não nascida, na Sua Cabeça – sou Jesus no Seio Virginal de Sua Mãe. Sou a fraqueza de Deus, a sua inocência, a sua inermidade, o seu aniquilamento, a sua incapacidade, a sua miséria; sou a semelhança e actualização mais autêntica do Crucificado. Sou o futuro presente da humanidade que me recusa, me rejeita, e da Igreja que tantas vezes me ignora ou, pelo menos, desleixa. Sou aquele que censuraste nas JMJ no Rio e em tantas outras ocasiões. Eu sou esse! Nós somos esses!»

O que me interessa saber, no cardeal Bergoglio e na sua (dele) igreja, é a expressão do seu (dele) pensamento: ou seja, aquilo que ele não diz ou cala, não me interessa, porque isso eu não posso objectivamente saber. Eu só posso constatar e verificar factos que decorrem daquilo que ele (o cardeal Bergoglio) diz. E é um facto que o cardeal Bergoglio se movimenta e expressa-se de acordo com o mito do progresso através do processo histórico. Ora, acontece que nunca um papa (nem mesmo João XXIII!) se tinha expressado desta maneira.

O mito moderno do progresso através do processo histórico erradica valores fundamentais, como por exemplo, o direito inalienável à vida humana e, nomeadamente, à vida uterina; o conceito moderno de “progresso” transforma-se num regresso à barbárie.

Quando, por exemplo, uma mulher aborta o seu filho porque o vestido de noiva já não se lhe ajustava às medidas do corpo, verificamos o absurdo da cultura moderna que se pauta pelo conceito de “casamento” independente da procriação.

“Acautelai-vos dos falsos profetas, que se apresentam disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos vorazes. Pelos seus frutos os conhecereis.” — S. Mateus, 7, 15 - 16

“Pelos seus frutos os conhecereis” — dizia Jesus Cristo através de S. Mateus. É pelos factos que devemos analisar o cardeal Bergoglio e a sua igreja, e não por pretensas, alegadas e putativas intenções. “De boas intenções está o inferno cheio”. Se me dizem que o cardeal Bergoglio é um santo e/ou uma pessoa bem intencionada, eu não tenho modo de o saber senão através daquilo que ele expressa publicamente. E é pelos frutos que eu o conheço: o resto é ideologia e seguidismo idiota.


(Ficheiro PDF do texto do Padre Nuno Serras Pereira)

Nota
1. “Pour Sortir du Vingtième Siècle”.

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