sábado, 6 de junho de 2015

O Observador e a defesa do super-estado da União Europeia (adenda)

 

“A humanidade não existe sociologicamente, não existe perante a civilização.

Considerar a humanidade como um todo é, virtualmente, considerá-la como nação; mas uma nação que deixe de ser nação passa a ser absolutamente o seu próprio meio. Ora um corpo que passa a ser absolutamente do meio onde vive é um corpo morto.

A morte é isso — a absoluta entrega de si próprio ao exterior, a absoluta absorção no que o cerca. Por isso, o humanitarismo e o internacionalismo são conceitos de morte, só cérebros saudosos do inorgânico o podem agradavelmente conceber.

Todo o internacionalista deveria ser fuzilado para que obtenha o que quer: a integração verdadeira no meio a que tende a pertencer. Só existem nações, não existe humanidade.”

(Fernando Pessoa)


Em um verbete anterior demonstrei que Paulo Almeida Sande ou é burro, ou faz-se de burro (o que é ainda pior). Este verbete é uma adenda à burrice do professor.

Desde logo, estou no essencial de acordo com o que foi escrito aqui.

Mas isso não significa que eu seja contra o liberalismo económico se este for regulado pelo Estado. Aliás, não é possível liberalismo económico sem regulação. A chamada “competição livre”, na economia ortodoxa, é uma concepção artificial fechada por meio de restrições legais. Em contraponto, a “competição livre” conforme a entendem os utilitaristas liberais [ver utilitarismo] — como os do Observador, do blogue Blasfémias ou do Insurgente — não é livre de modo nenhum. Para os liberais utilitaristas, a “livre competição” global é a vitória dos animais que mais se parecem com os capitalistas bem sucedidos. A competição livre dos utilitaristas liberais está próxima da competição darwiniana: não há regra contra a pancada abaixo da cintura; não há lei entre animais.

Para falarmos de “nacionalismo”, temos que saber exactamente do que estamos a falar. O conceito de nacionalismo é “pau para toda a colher”.

No dicionário podemos ver uma definição nominal de “nacionalismo”: “patriotismo”; “nacionalidade”.

Dizer, como Paulo Sande diz, que “nacionalismo é guerra” é a mesma coisa que dizer que “patriotismo é guerra”.

É aqui que o liberalismo utilitarista se aproxima do socialismo herdeiro das ideias de Bentham (socialismo esse que difere, nos seus fundamentos, do socialismo de Karl Marx, uma clivagem ideológica que separa o Partido Comunista do Partido Socialista: o utilitarismo, a que Karl Marx chamou de “moral de merceeiro inglês”). Ora, um professor de uma universidade católica não deve, por princípio, abraçar o utilitarismo. O que há (nomeadamente) em comum entre o Partido Socialista de António Costa e o liberalismo do Observador e dos outros referidos, é a ética utilitarista.

Se “patriotismo é guerra”, então a Pátria, ou seja, a nação, alegadamente é “a causa da guerra”. Isto supõe que se não existissem nações e, consequentemente, Estados, não haveria guerra no mundo. A ideia abstrusa de Paulo Sande é que de que em um mundo sem nações e com um Estado Planetário (ou com um leviatão da União Europeia), a guerra acabava. Os que não concordassem com as políticas do governo planetário teriam que se exilar em Marte ou em Saturno. O princípio que se extrapola das ideias de Paulo Sande são totalitárias, mas expressas em nome do “fim da guerra” e da “defesa da liberdade”.

À luz do Direito Natural, toda a guerra defensiva é absolutamente legítima. A ideia de se acabar com a guerra não constitui um direito (assim como o casamento não é um direito, a não ser que se conceba que alguém se case consigo próprio, porque os direitos são individuais).

«Um povo, sobretudo se se sentiu oprimido, pode a princípio simpatizar com o movimento liberalista; mas, tarde ou cedo, de desconfiar dele, passa a odiá-lo. O caso é simples. Ou o liberalismo segue o seu caminho lógico e justo, ou não o segue.

Se o segue, entra, mais tarde ou mais cedo, em conflito com privilégios que a ele, povo, tocam já de perto, porque privilégios todos os têm, reais ou esperados.

Se não o segue, que é o que em geral acontece — dada a impossibilidade radical da operação do liberalismo e os atritos que quotidianamente encontra ao tentar existir — vai o liberalismo gradualmente desviando-se do seu primitivo intuito, porventura sincero, e torna-se uma mera arma de espoliação para os políticos sem escrúpulos, modo de viver dos Lloyd Georges e dos Clemenceaux da charlatinice política internacional.

Mero implemento de ambiciosos, quando não positivamente de ladrões, o liberalismo acaba por despertar as iras do povo, quando o caso se não dê de no povo, por decadente, já não haver a possibilidade sã da ira legítima.

O caso é pois, que, sendo assim anti-egoísta, o liberalismo é radicalmente anti-popular. Para se ser “liberal” é preciso ser-se inimigo do povo, não ter contacto nenhum com a alma popular, nem a noção das noções instintivas que lhe são naturais e queridas. Teoria, de resto, originada por emissários da aristocracia inglesa, no seu conflito com a velha monarquia; espalhada, depois, por homens de letras franceses, mais como arma contra a Igreja que contra o Ancien Regime, o liberalismo ainda hoje se conserva fiel à sua origem extra-popular.

Hoje, porém, são os transviados do povo quem teoriza — os infelizes que saíram do povo e, perdido o contacto em ele e com os seus instintos naturais, não subiram, porém, a nenhuma das aristocracias que o esforço pode conquistar, eternos intermédios da vida social, sem cultura verdadeira, sem posição conquistada, sem valor interna ou externamente definido. Escravos de todas as invejas e de todas as falências, o seu subconsciente indisciplinado espontaneamente os leva a colaborar em quanto seja obra de dissolução social, traidores naturais a tudo, excepto à sua própria incompetência para tudo. Tão triste e débil época é a nossa que as próprias teorias falsas desceram de categoria nas pessoas dos seus sequazes.

Feito, assim, por quem ou não é povo, ou já não sabe sentir como povo, que admira que este sistema venha eivado de todos os vícios anti-instintivistas, de todas as raivas anti-naturais?

Ainda se o liberalismo compensasse o ser anti-egoístico com o ser, de qualquer forma, um aspecto do sentimento patriótico; se, por exemplo, a teoria liberal tivesse por base o ser aplicada só a uma determinada nação — a dos seus teóricos — com o fim, absurdo mas explicável, de dar a essa nação a superioridade, pelo “gozo da liberdade”, sobre todas as outras, até certo ponto, talvez o liberalismo equilibraria o mal que lhe advém da outra parte da sua tese.

Mas se há traço característico do liberalismo é o de ser extensivo a toda a humanidade, de ser uma panaceia universal. E, assim, nem esta defesa absurda que fosse, lhe resta.

O assunto comportaria, a não ter que limitar-se, uma série muito mais extensa de considerações, entre as quais a menos interessante não seria, por certo, a demonstração de que um povo são é espontaneamente aristocratista ou monárquico; de que nunca um povo foi liberal ou democrático; de que nunca um povo defendeu, de seu, senão os seus egoísmos, indivíduo a indivíduo, a sua pátria, colectivamente; que nunca, nunca, excepto por doença da sociedade, ou perversão da decadência, os seus “direitos” as suas “justiças” foram assunto por que um homem do povo desse esforço de se levantar de um banco ou de tirar as mãos das algibeiras

→ Fernando Pessoa, Do Sufrágio Político e da Opinião Pública.

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