terça-feira, 21 de janeiro de 2014

D. Duarte Pio está mal aconselhado

 

Hoje parece estar na moda adoptar a estratégia de ambiguidade do papa Francisco I. Ora, a ambiguidade (ao contrário da ambivalência é que é do foro psicológico, e não devemos confundir “ambiguidade”, por um lado, com “ambivalência”, por outro lado) é uma forma de hipocrisia.

A posição manhosa de D. Duarte Pio acerca do referendo da adopção de crianças por pares de invertidos:

D. Duarte critica a aprovação recente, na Assembleia da República, da proposta para realização de um referendo sobre adopção e co-adopção por casais do mesmo sexo. Para o Duque de Bragança, referendar não resolve nada. «A pergunta é ambígua, direi até propositadamente algo manhosa», disse ontem.

«O que é que nos deve preocupar? Os direitos dos adultos, que escolheram viver de determinada forma, ou os direitos das crianças?

Entendo que isso deve ser respondido por especialistas em educação, sociólogos ou psicólogos, pois são eles que nos podem dizer se os interesses das crianças estão ou não salvaguardados quando vão para uma família que não tem pai ou mãe. Infelizmente há muitas crianças institucionalizadas, sem pai nem mãe, mas entendo que esse assunto deve ser respondido por técnicos, pois o cidadão comum não tem dados científicos para tomar essa decisão», explicou.

(o texto foi corrigido para português correcto, devido a um problema de pós-literacia da escriba)

A opinião de D. Duarte Pio, transcrita acima, tem duas partes: a primeira é ética (¿o interesse da criança ou o interesse do adulto?), e a segunda é política (o argumento da ciência e dos “técnicos”), como se a ciência pudesse definir a ética (?!). Ou seja, a opinião de D. Duarte Pio é contraditória e bastaram algumas palavras para que a contradição dele se tornasse evidente.

Ou seja: é pena que ele não tenha, em seu redor, gente à altura das situações e que o aconselhe devidamente. E neste caso, talvez o melhor conselho é o de que ficasse calado.

Em primeiro lugar, as ciências sociais (ou as “ciências não-exactas”) não são exactas (passo a redundância). Penso que D. Duarte Pio sabe disto.

Em segundo lugar, as ciências, quaisquer sejam, utilizam a estatística, e esta é sempre baseada no passado (não há estatísticas baseadas no futuro). E sendo que as ciências sociais ou humanas não são exactas, o problema das estatísticas baseadas no passado torna-se mais agudo.

Em terceiro lugar, a maior parte das pessoas — incluindo alguns “cientistas” e/ou “técnicos” — não faz a mínima ideia da dificuldade que a matemática e a estatística têm em verdadeiramente provar uma hipótese ou uma teoria. E quando esta dificuldade é aplicada às ditas “ciências humanas”, o grau de dificuldade dispara em direcção ao infinito.

Em quarto lugar, não devemos confundir ciência, por um lado, com cientismo, por outro lado. A ciência procura a verdade, o cientismo é uma forma de fazer política.

Finalmente, uma citação de G. K. Chesterton:

“Sem a educação, encontramo-nos no horrível e mortal perigo de levar a sério as pessoas educadas.” — G. K. Chesterton (“The Illustrated London News”).

O elitismo traduzido nas palavras de D. Duarte Pio não se coaduna com a tradição monárquica anterior ao Absolutismo — aquela tradição das Cortes em que o povo era representado. Esse elitismo é mais consentâneo com o conceito de vontade geral de Rousseau, ou seja, é um elitismo anti-monárquico. Como bem constatou Karl Popper, ao longo da História o povo enganou-se menos vezes do que as elites — incluindo os reis. Portanto, vamos banir aquela coisa velha do “horrível cheiro a povo” que caracterizou uma certa monarquia que, em finais do século XVII, aboliu as Cortes no nosso país.

2 comentários:

  1. Desilude-me muito a posição de D. Duarte Pio, alguém que até agora se reclamou sempre da tradição monárquica católica. E da declaração do mesmo depreende-se que o Duque de Bragança, ao menos em teoria, admite que um punhado de tecnocratas, supostamente iluminados não se sabe muito bem por quem, possa contrariar e refutar os ensinamentos morais da Igreja Católica. De facto, com estas palavras, D. Duarte Pio nem sequer parece ser bisneto de D. Miguel I, o último Rei de Portugal aclamado em Cortes em 1828 (depois destas haverem estado por convocar durante século e meio). De facto, fraco rei faz fraca a forte gente…

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    1. Pois o problema é exactamente este: já que temos objectivamente uma classe política maioritariamente corrompida ética e moralmente, ao menos deixemos que o povo decida sobre matérias ditas “fracturantes” (que são mais destruidoras do tecido social do que fracturantes).

      Eu gostaria que pelo menos uma maioria da classe política fosse contra a adopção de crianças por pares de invertidos. Mas como isso não acontece, a minha posição é a do “mal menor”: deixemos o povo decidir, depois de um esclarecimento público.

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