sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O Direito actual já não é utilitarista: passou a defender a “pura felicidade” anti-utilitarista de Georges Bataille

 

A Esquerda ainda não conseguiu retirar ao povo a noção de “família”. Mas está a tentar. Tentar convencer o povo de que a família não existe — porque, alegadamente, dizem eles, “existem muitos e muitos tipos de família”, e portanto, “não faz sentido em falar de família propriamente dita” — é tentar que a atomização da sociedade se efective, finalmente, mediante um corte radical com os fundamentos da natureza humana. O que a Esquerda está a fazer, em termos antropológicos, é monstruoso, para além de transformar o Direito Positivo na sua própria negação. E isto não pode correr bem, no futuro.

O positivismo do Direito, por sua própria natureza, é utilitarista: “a maior felicidade para o maior número”. Ou seja, o conceito positivista da “maior felicidade para o maior número” tinha ainda, contido em si mesmo, a ideia da “lei abstracta e geral” que herdou do Direito Natural. “Tinha”, digo eu, porque já não tem, porque o Direito deixou de ser positivista.


A felicidade é hoje entendida pelas elites políticas — umas, conscientemente, outras inconscientemente — mais ou menos segundo Georges Bataille: é a apoteose do sem-sentido que Bataille acreditava que iria necessariamente acontecer no momento do Saber Absoluto do homem. A felicidade do Direito actual é a transgressão do “limite do possível” de Georges Bataille:

“O limite do possível supõe riso, êxtase, abordagem aterrorizada da morte, supõe erro, náusea, confusão incessante do possível e do impossível, e, a concluir, fragmentado, todavia, pouco a pouco, lentamente desejado, o estado de súplica, consumir-se no desespero”. “É a alegria do suplício, a arte de transformar a angústia em delícia, que eleva a colher a própria morte tal como uma criança adormece”. É a felicidade que torna o homem semelhante ao animal feliz, “ser no mundo como a água que flui no seio das águas”. 1

A felicidade pertence a quem decide imediatamente e arrisca tudo sem se questionar sobre o que irá acontecer — a nova felicidade batailleana do Direito actual é a negação de qualquer consequencialismo. “O sujeito — tédio de si mesmo, necessidade de ir até ao limite — é a busca do êxtase, é verdade, mas nunca tem a vontade do seu êxtase. Há um desacordo irredutível entre o sujeito que procura o êxtase e o próprio êxtase”. A felicidade é o menosprezo de si mesmo, a aliança entre o sem-sentido de todas as coisas com o arrebatamento do abandono ao não-saber. O “não-saber” é o fulcro do novo conceito de felicidade que impregna o Direito que deixou de ser positivo.

O Direito batailleano actual é formalmente kelseniano (como não poderia deixar de ser), mas sem a democracia — porque “a felicidade não tem objecto”. A democracia não se pode interpor entre o Direito e esta nova concepção de felicidade, porque a democracia é, ela própria, a expressão do utilitarismo liberal.

A política, que esta nova felicidade exige, é revolucionária na medida em que exige o impossível quando pretende derrubar as barreiras que pretendem reter os homens nos limites definidos pela utilidade e pelo trabalho. A felicidade batailleana é mortífera, na medida em que exige que se ultrapassem quaisquer limites sem pensar nas consequências da acção. Para Georges Bataille, a felicidade está para além da moral (identificação com Nietzsche). O novo Direito, para além de ser batailleano, é nietzscheano. A nova felicidade, que o Direito actual adopta, exige a experiência da transgressão sistemática e sem limites dos interditos que definem a vida social.

Nota
1. [“A Experiência Interior”]

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