domingo, 2 de fevereiro de 2014

O Iluminismo Negativo (parte 3)

 

O Iluminismo Negativo é uma teoria política contraditória porque tenta conciliar as aspirações do libertarismo económico, por um lado, com a implementação de um ideário de repressão política na sociedade, por outro lado. Por um lado, o Iluminismo Negativo defende a transformação do Estado em uma empresa privada, com accionistas e com um conselho de administração; mas, por outro lado, defende a repressão da expressão política em nome de uma sociedade de bem-estar material.

A democracia pode e deve ser sujeita a crítica, principalmente quando ela se desvia dos interesses da esmagadora maioria da população (como acontece, por exemplo, em Portugal e na União Europeia).
Mas não é aceitável que se utilizem exemplos de uma democracia prostituída e destituída dos seus fundamentos elementares, para se defender uma qualquer forma de fascismo.

O lema do Iluminismo Negativo é o seguinte: “ou o cidadão aceita que não tem voz política, ou sai do país” (no voice or exit). Os exemplos de “bons estados” apontados pelo Iluminismo Negativo são Hong Kong, Singapura e o Dubai. Ou seja, estamos perante uma nova forma de fascismo, com a diferença que esta nova forma de fascismo transformou a soberania de um país em um negócio de privados que são os accionistas do Estado, e que são os únicos cidadãos (os accionistas) que têm voz política dentro do território administrado por esse Estado privado.

Quando leio, por exemplo, que o governo de Passos Coelho autorizou publicidade de empresas privadas nos uniformes dos funcionários dos museus do Estado, não podemos deixar de constatar um indício de uma linha política de privatização do Estado (que a Helena Damião, e bem, critica aqui). Por um lado, esta tendência ideológica é libertária de direita (economia), mas por outro lado tende a transformar o Estado em um negócio privado o que vai contradizer o libertarismo inicial subjacente ao seu ideário, porque um Estado privatizado é sempre anti-político.

Ou seja, para o Iluminismo Negativo, “liberdade” e “libertarismo” são sinónimos de “repressão política” — o que é uma contradição em termos. Não é possível reduzir a liberdade (propriamente dita) ao bem-estar material. Esta noção behaviourista de “liberdade” do Iluminismo Negativo decorre de uma visão positivista do ser humano, por um lado, e por outro lado de um utilitarismo elevado ao seu expoente máximo — e por isso é que esta forma de fascismo é nova, porque as formas anteriores de fascismo ou eram não-utilitaristas, ou mesmo anti-utilitaristas.

A esta privatização do Estado, o Iluminismo Negativo chama de “neo-camaralismo”, porque, segundo esta teoria, é baseada no Camaralismo germânico representado pelo austríaco Heinrich Gottlob von Justi (1720 – 1771), que Kant e Humboldt criticaram em nome da implementação do Estado de Direito. Ou seja, o Iluminismo Negativo representa a negação do Estado de Direito. Ora, a designação de “neo-camaralismo” para essa teoria dita “libertária” é também em si mesma contraditória, porque o Camaralismo foi tudo menos libertário.

Verificamos como uma teoria dita “libertária” pode ser uma nova forma de fascismo, em que o Estado passa a ser propriedade privada, e em que os cidadãos que não forem accionistas do Estado não têm outros direitos e liberdades senão comer, dormir e trabalhar (e fornicar) — ou abandonar o território administrado por esse Estado privado.

A democracia pode e deve ser sujeita a crítica, principalmente quando ela se desvia dos interesses da esmagadora maioria da população (como acontece, por exemplo, em Portugal e na União Europeia). Mas não é aceitável que se utilizem exemplos de uma democracia prostituída e destituída dos seus fundamentos elementares, para depois se defender uma qualquer forma de fascismo.

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