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domingo, 5 de julho de 2015

A primeira lei da termodinâmica e o dualismo metafísico

 

Em metafísica, “dualismo metafísico” é a teoria segundo a qual a realidade é formada de (pelo menos) duas substâncias independentes uma da outra e de natureza absolutamente diferente: o espírito e a matéria, ou, como em Descartes, a alma e o corpo.

Não confundir com “dualismo ontológico” de diferentes sistemas religiosos que admitem, para o universo, não apenas um, mas dois princípios de explicação ou de origem (por exemplo, o maniqueísmo , ou a gnose).

“Dualismo” é, neste verbete, entendido como “dualismo metafísico”.


A grande dificuldade da afirmação do dualismo é a primeira lei da termodinâmica:

Primeiro princípio ou axioma da termodinâmica: princípio da equivalência (ou conservação de energia): a energia não pode ser nem criada nem destruída, mas apenas transformada. Num sistema fechado, a sua energia total permanece constante e representa o “equivalente mecânico” do calor.

A primeira lei da termodinâmica é equivalente, por assim dizer, à lei de Lavoisier: na Natureza, nada se cria, nada se perde, e tudo se transforma.

Portanto, o actual raciocínio científico “politicamente correcto” (paradigma) é o seguinte:

  • se o universo é um sistema fechado e é constituído por matéria (seja o que for o que se entenda por “matéria”), então não pode haver lugar para o espírito, nem pode haver qualquer influência do espírito sobre a matéria (o cérebro). Se o espírito quiser actuar sobre a matéria do cérebro a partir do exterior, tem que desrespeitar a primeira lei da termodinâmica — ou seja, seria necessária uma energia material exterior ao sistema físico para influenciar a matéria.

Em última análise, para que a primeira lei da termodinâmica fosse respeitada (porque a energia no universo tem de permanecer constante, segundo a primeira lei da termodinâmica), o espírito também seria uma qualquer forma de matéria, e, neste caso, deixaria de fazer sentido o conceito de “dualismo”.

Portanto, a ciência clássica parte do princípio de que o universo é um sistema fechado, e só em um sistema fechado a primeira lei da termodinâmica faz sentido e pode ser aplicável.

E se a primeira lei da termodinâmica é válida, então segue-se que não pode existir espírito e/ou alma, e as ideias e os pensamentos não passam de epifenómenos da actividade química do cérebro1 . Paul Churchland, por exemplo, supõe que é possível substituir a frase: “O senhor Manuel pensa que...”, pela afirmação: “No cérebro do senhor Manuel disparam no momento T1 os neurónios N1 a N12 do núcleo X, desta e daquela maneira”.

Portanto, ser cientista, segundo o paradigma clássico, significa não só a negação do espírito ou/e alma, mas também significa literalmente ser ateu. Surge então a Teoria da Identidade. 2


 
A física quântica veio alterar este paradigma científico, colocando em causa a concepção do universo como sistema fechado.

human-spiritA “amplitude de probabilidade de função de onda” (ou "função de onda quântica", ou ainda, na terminologia mais recente, "vector de estado"), por exemplo, de uma partícula atómica, não constitui um campo material (ou não tem massa ou tem uma massa mínima), mas actua sobre a matéria ao causar a probabilidade de um processo de partículas elementares.

Estamos a falar de um facto científico baseado na experimentação, e não apenas de uma teoria. Este facto científico abriu as possibilidades de estados finais diferentes resultantes de processos dinâmicos idênticos, e sem que tivessem sido alteradas as condições iniciais (como, por exemplo, o abastecimento de energia).

Ou seja, segundo a ciência mais recente, o universo como sistema fechado e a primeira lei da termodinâmica estão colocados em causa. A primeira lei da termodinâmica pode ainda ser utilizada em ciência da mesma forma que o conceito de “absoluto” foi utilizado por Newton para elaborar a sua Dinâmica (o conceito de “absoluto”, em Newton, era uma espécie de muleta).

Resulta disto que a alma ou/e espírito não são produto da evolução (“evolução” entendida no sentido naturalista e darwinista), e que o dualismo metafísico passa a fazer sentido mesmo à luz da ciência. Hoje já não faz sentido que um cientista seja necessariamente ateu, ou que defenda uma mundividência naturalista do ser humano.


Notas
1. por exemplo, segundo Susan Blackmore, Rodolfo Llinas, Paul e Patrícia Churchland.

2. Para a “teoria da identidade”, as ideias não possuem qualquer realidade própria, sendo apenas um produto da actividade neuronal. Aquilo que é primário [aquilo que está em primeiro lugar] são os processos químicos e físicos nos neurónios, que decidem o que eu penso, o que faço e o que sou.

Karl Popper demoliu a “teoria da identidade” quando demonstrou que esta teoria não pode ter qualquer sentido se obedecer aos seus próprios pressupostos: se as minhas ideias não podem existir sem suporte físico, ou seja, se as minhas ideias são produtos e portanto, efeitos, da química que se processa no meu cérebro, então nem sequer é possível discutir a “teoria da identidade”. Esta teoria (da Identidade) não pode ter qualquer pretensão de verdade, visto que, por exemplo, as provas dela decorrentes são igualmente química pura. Se alguém defende uma teoria contrária, também tem razão, dado que a sua química chegou a um resultado diferente. Karl Popper chama a esta armadilha lógica de “pesadelo do determinismo físico”.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Uma abordagem ao dualismo

 

Quando falamos de “ser humano único e irrepetível”, devemos ter atenção, para além do espírito ou daquilo a que o Domingos Faria chama aqui de “alma”, os seguintes factores:

1/ a genética;
2/ a epigenética;
3/ a posição do universo (leis da Natureza) no momento sideral da concepção uterina e/ou do nascimento;
4/ a transformação biológica do ser humano desde que é concebido no útero até que morre;
5/ o meio-ambiente em vive o ser humano a cada momento da sua vida (educação, cultura, religião, etc.).

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

O cardeal Bergoglio, e o conceito de fé e dúvida (1)

 

“O crente sabe como se duvida; o incrédulo não sabe como se crê” — Nicolás Gómez Dávila

No cardeal Bergoglio (aka Francisco I) existe a convicção segundo a qual, a fé, para ser autêntica, deve incluir (implícita ou explicitamente) a dúvida. Esta convicção existe ainda hoje no cardeal expressa através de várias intervenções públicas, mas já existia quando o Padre Jorge Maria Bergoglio se ordenou sacerdote com 33 anos de idade.

“Mais do que razões para crer, há razões para duvidar da dúvida” — Nicolás Gómez Dávila

O que nós temos que saber é o que significa “dúvida” no contexto da fé religiosa; temos que definir “dúvida” neste contexto.

“A fé não é conhecimento do objecto, mas antes comunicação com ele” — Nicolás Gómez Dávila



O conceito de “dúvida”, segundo o cardeal Bergoglio, é semelhante ao conceito de “dúvida” da Nova Teologia protestante de Bonhoeffer (Dietrich Bonhoeffer) et Al. A “dúvida”, neste contexto, passa pelo conhecimento dos desígnios de Deus — é uma dúvida que exige conhecimento, ou seja, é uma dúvida gnóstica. Podemos verificar isso mesmo na homilia que o cardeal Bergoglio concedeu no dia 20 do corrente mês :

Na realidade, frisou, o Evangelho não contém palavra alguma de Nossa Senhora: Maria «era silenciosa, mas dentro do seu coração quantas coisas dizia ao Senhor» naquele momento crucial da história. Provavelmente Maria reconsiderou as palavras do anjo que «lemos» no Evangelho em relação ao seu Filho: «Naquele dia disseste-me que será grande! Disseste-me que lhe darás o trono de David seu pai e que reinará para sempre! Mas agora vejo-o ali», na cruz. Maria «com o silêncio encobriu o mistério que não entendia. E com o silêncio deixou que o mistério pudesse crescer e florescer» trazendo a todos uma grande «esperança».

«O Espírito Santo descerá sobre ti, o poder do Altíssimo cobrir-te-á com a sua sombra»: as palavras do anjo a Maria, disse o Pontífice, garantem-nos que «o Senhor encobre o seu mistério». Porque «o mistério da nossa relação com Deus, do nosso caminho, da nossa salvação não pode ser exposta nem publicitada. O silêncio conserva-o». O Papa Francisco concluiu a sua homilia com a oração para que «o Senhor nos dê a todos a graça de amar o silêncio, de o procurar e ter um coração guardado pela nuvem do silêncio. E assim o mistério que aumenta em nós dará muitos frutos».

Desde logo, a atribuição de um processo de intenções a Maria é um abuso. Depois, o Bergoglio elabora sobre esse processo de intenções que, ao contrário do que ele diz, não tem literalmente nada a ver com a posição assumida pelo Papa João Paulo II na sua encíclica Redemptoris Mater (outro abuso do Bergoglio).

O conceito de “dúvida” do Bergoglio tem origem no conceito decadente de “dúvida” de Kierkegaard que, por sua vez, esteve na origem da Nova Teologia de Bonhoeffer: é uma dúvida existencialista e que exige o conhecimento sobre Deus (gnose). Sem esse conhecimento gnóstico de Deus, o ser humano fica paralisado em função da dúvida que surge por falta desse conhecimento de Deus.

Este erro teve a sua origem em Descartes que dividiu o ser humano em corpo e alma (dualismo): antes de Descartes, para a Igreja Católica e nomeadamente S. Tomás de Aquino, o ser humano era uma unidade integrada e não dividida, sendo apenas potência em acto (Aristóteles).

O Bergoglio afirmou, preto no branco (fazendo um processo de intenções a Maria) que a mãe de Jesus se sentiu desiludida e frustrada com Deus. Para o Bergoglio, essa frustração e desilusão decorre da dúvida dualista cartesiana que ele adoptou em relação à fé católica e que provém da Nova Teologia e do existencialista Kierkegaard.

Introduzir a corrente filosófica existencialista na doutrina da Igreja Católica é uma péssima ideia. Quando dizem que “o papa Francisco I é contra a Teologia da Libertação e contra o Marxismo”, trata-se de uma falácia, porque do existencialismo idealista de Kierkegaard ao existencialismo materialista e marxista de Sartre, vai um passo de caracol: o princípio é o mesmo: a dúvida cartesiana aplicada à metafísica.