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quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

O “eunuco espiritual”, segundo Eric Voegelin

 

Na sua obra “História das Ideias Políticas”, Eric Voegelin explica-nos aquilo que ele chama de “eunucoidismo espiritual”. Vou tentar traduzir aqui esse conceito, segundo Eric Voegelin. Os trechos a itálico reflectem a terminologia do próprio Eric Voegelin.

Com o positivismo, a ciência adquiriu a característica de um pathos (do grego, “paixão”) de autonomia e auto-confiança (ou pathos cientificista), que deriva da verificação da causalidade empírica dos fenómenos. Se uma determinada relação causal fenoménica é constatada pela ciência, esta adquire essa auto-confiança que não existe naturalmente na condição existencial do ser humano.

A condição existencial, natural e normal do ser humano, é a da incerteza; em contraponto, a condição normal da ciência positivista é da “certeza” em função da verificação  empírica  da causalidade de parte dos fenómenos , e de uma auto-confiança que essa “certeza” lhe dá ― pelo menos é assim que a “verdade” da ciência é interpretada pelo eunuco espiritual.

Contudo, o que a ciência e o método positivista não fazem é a pesquisa sobre as “causas primeiras”, ou seja, aquelas causas em relação às quais não existem verificações empíricas de causalidade; essa pesquisa pertence exclusivamente à filosofia. Por exemplo, quando dizemos que “a soma dos ângulos internos de um triângulo é sempre de 180 graus”, a ciência apenas se limita a constatar o axioma (ou a intuição) tal qual ele se nos apresenta (“axioma” “a causa primeira”), sem poder explicar por que é que o axioma existe (a ciência não pode explicar a causa do axioma).

O axioma é assim, por que é ― existe porque existe, e sem qualquer outra explicação de índole causal.

Sem poder explicar as causas primeiras, a ciência transfere a sua precária auto-confiança ― que lhe advém da verificação empírica da causalidade de uma parte dos fenómenos ― para a dimensão existencial do Homem. Assim, o Homem substitui a sua natural e normal condição de incerteza existencial pela “certeza” que alegadamente a ciência lhe traz. Trata-se de uma crença. Através das “certezas” da ciência, o Homem passa a acreditar que a sua existência deixou a incerteza primordial e natural, e passou ela própria (existência decorrente da vida humana) a fazer parte das “certezas” e das “verdades” da ciência.

Esta é a origem do novo ateísmo de Richard Dawkins e do eunucoidismo espiritual do Homem moderno.

eric_voegelinOs eunucos espirituais pensam que, na medida em que a ciência parte de um princípio metodológico acerca das “certezas” já por si adquiridas ― por exemplo, da lei da gravidade ―, esse princípio metodológico científico (a causalidade empírica) pode ser aplicado, de igual modo, no âmbito dos problemas da existência individual e colectiva humanas. A verdade é que muitos cientistas pensam desta mesma maneira, o que faz com que o eunucoidismo espiritual não seja uma característica de uma determinada classe social, mas antes é uma força social.

Esse pathos cientificista assumiu-se como uma força social que atravessa todas as classes sociais, penetrou nas instituições educacionais da sociedade, e não pode ser quebrada facilmente ― se é que pode ser quebrada. O problema já não é, portanto, uma questão de simples ignorância. Se a crença em uma auto-suficiente ordem da existência realizada através da ciência se entrincheirou na sociedade, essa crença transforma-se numa força que evita e nega o cultivo da substância humana e corrói ainda mais os elementos sobreviventes da tradição cultural.

Em consequência do pathos cientificista, a preocupação com a ciência e a posse do conhecimento científico transformaram-se num processo de legitimar a ignorância no que respeita a todos os problemas que jazem para além da ciência dos fenómenos. Assim, em paralelo com as descobertas da ciência, aumenta a ignorância das massas em relação aos problemas da existência humana.

O pathos cientificista traduz-se em um desastre civilizacional, porque na realidade, o conhecimento sobre o ordenamento da existência não pode ser adquirido através da aquisição do conhecimento no sentido fenomenológico ― antes, a compreensão do ordenamento da existência exige uma formação da personalidade através de um processo de educação através das instituições que se criem (ou que já existam) para o efeito.

Os portadores activos do pathos cientificista serão homens deficientes no que respeita aos dons da substância espiritual humana, e a penetração na sociedade do pathos cientificista cria um ambiente que favorece o sucesso social do eunuco espiritual.

Assim, o avanço da ciência e o crescimento do factor racional-utilitarista são acompanhados por uma re-estratificação da sociedade que não pode já ser expressa em termos de classes sociais. Esta re-estratificação da sociedade através do pathos cientificista gera os seus próprios mecanismos de valoração, de prestígio e de sucesso social que alcandora o eunuco espiritual ao estatuto de paradigma cultural.

« Sem o efeito de prestígio do cientificismo, os grandes escândalos intelectuais que decorrem de fenómenos de sucesso social como o positivismo, o evolucionismo darwinista, ou o marxismo, seriam impensáveis. »

― Eric Voegelin

terça-feira, 3 de novembro de 2015

O gnosticismo de Frei Bento Domingues

 

“Alguns leitores reagindo ao meu texto do domingo passado, disseram-me: se o panorama da família em desconstrução e reconstrução é tão caótico, como poderão as famílias agrupar-se para evangelizar, encher de alegria, antigos e novos projectos familiares?

Podem. Com diferentes configurações, existem, por todo o mundo, milhões de famílias que o amor reuniu - de avós a netos - que sem alarido, já vivem antigos e novos processos de alimentar e renovar a esperança das futuras gerações. Por outro lado, a graça do Evangelho não contraria os trabalhos escondidos da natureza e da cultura, como certa apologética pouco católica, ignorante e sectária, insiste em proclamar”.

Frei Bento Domingues : Que temos nós a ver com os migrantes?

Ao contrário do que o Frei Bento Domingues declara sobre quem não concorda com ele, eu não considero que o Frei Bento Domingues seja ignorante; de ignorante, ele tem pouco. O ignorante não age com dolo, exactamente porque ignora.

Em contraponto, a perversidade não é ignorante, porque a intencionalidade do perverso revela-se nas suas ideias e acções — ao passo que o ignorante não age em função de uma causa. O moto do ignorante é a doxa, ao passo que o do perverso é a manipulação e adulteração do episteme.

Uma das características marcantes do politicamente correcto  é o de rotular de “ignorante” toda a gente que tenha ideias diferentes da norma politicamente correcta. ¿Não concordas com o "casamento" gay? Então és ignorante!. ¿Não concordas com as “famílias arco-íris”? Então és ignorante!. E por aí afora. O Frei Bento Domingues enquadra-se perfeitamente no espírito da Esquerda politicamente correcta mais radical. O mais que poderei dizer de Frei Bento Domingues é que ele parece ser psicótico; mas nunca “ignorante”.


Repare-se no trecho supracitado de Frei Bento Domingues. ¿O que é que ele quer dizer com “com diferentes configurações, existem, por todo o mundo, milhões de famílias que o amor reuniu”? ¿Refere-se ele (Frei Bento Domingues), por exemplo, às famílias poligâmicas que prevalecem no Islão? ¿Frei Bento Domingues avaliza a poligamia? Ele não o diz explicitamente. Mas ¿será que a poligamia vai ao encontro do critério do “amor” que o Frei Bento Domingues refere? ¿Será que, em nome de um pretenso “amor”, vale tudo?

¿E o que é que o Frei Bento Domingues quer dizer com “a graça do Evangelho não contraria os trabalhos escondidos da natureza e da cultura”? ¿Será que, na opinião do Frei Bento Domingues, a Natureza determina a ética e a moral? O Frei Bento Domingues não diz quase nada de concreto: em vez disso, “atira umas coisas para o ar”. A ambiguidade é uma característica do perverso.

terça-feira, 9 de junho de 2015

A “segunda realidade” da ideologia do Aquecimento Global Antropogénico

 

“O CES apoia a Iniciativa dos Cidadãos Europeus (The European Citizens Initiative – “ECI”), já em curso, que visa apelar à Comissão Europeia que apresente uma proposta legislativa ao Parlamento Europeu e ao Conselho assente numa concepção de protecção ambiental baseada em direitos intrínsecos da Natureza.”

A consagração dos Direitos da Natureza

Ver também aqui a petição pública respectiva.



Não é possível compreender a realidade sociológica e política actual sem se ter lido alguma coisa de Eric Voegelin. O problema é que é bastante difícil compreender Eric Voegelin sem que o leitor tenha umas luzes da história das ideias; ou seja, o requisito mínimo para se compreender Eric Voegelin é uma licenciatura em filosofia ou em história. Ou então, muitos anos de estudo de filosofia que torna a respectiva licenciatura despicienda.

O conceito de “segunda realidade”, de Eric Voegelin, é uma definição real de “ideologia”. A “segunda realidade” consiste na condição de auto-embotamento espiritual e de auto-cegueira por parte dos ideólogos em geral, quando eles colocam imagens e/ou representações por eles construídas em lugar de percepções da realidade (a autêntica realidade percepcionada pelo ser humano comum e vulgar).

A “segunda realidade” é uma patologia da consciência deformada que podemos observar, não só nos ideólogos, mas também em muita gente cujos estados delirantes — delírio interpretativo — não são suficientes para os interditar e os circunscrever a um manicómio.

Por exemplo, quando o Partido Comunista ou o Bloco de Esquerda (e mesmo o Partido Socialista de António Costa) fazem as reivindicações de “direitos” mais estapafúrdios, partem do princípio de que os recursos económicos e financeiros são praticamente ilimitados, e que o povo não vive principescamente devido à “maldade dos capitalistas”: não fora a “maldade dos capitalistas” — segundo a Esquerda —, existiria um paraíso na Terra. Em vez de constatarem factos inerentes à realidade e à Natureza Humana, a Esquerda constrói uma “segunda realidade” através de imagens e representações que negam a Natureza Humana e que são substitutivas da realidade propriamente dita.

A doutrina do Aquecimento Global Antropogénico é a construção de uma “segunda realidade” que tende a transformar-se em dogma.

Em primeiro lugar porque quando os dados não concordam com a teoria, então os dados são modificados para que a teoria se possa manter verificável. A teoria do Aquecimento Global nunca muda: são os dados objectivos que se adaptam a ela. Portanto, constrói-se uma “segunda realidade” ou uma ideologia: não se trata de ciência, mas de construção de uma “segunda realidade”.

Em segundo lugar, trata-se de uma doutrina que pretende retirar ao ser humano a propriedade da terra, em nome de putativos “direitos intrínsecos” dos “organismos vivos” da Natureza. Em quase todas as sociedades ocidentais, o feto humano não é considerado um “organismo vivo” nem tem “direitos intrínsecos”; mas, simultaneamente, pretende-se outorgar a uma árvore ou a um rio putativos “direitos intrínsecos” e o estatuto de “organismo vivo”.

Portanto, a “segunda realidade” do Aquecimento Global Antropogénico é uma das várias construções ideológicas da era pós-comunista no sentido da continuidade da utopia igualitarista e totalitária. O utilitarismo exacerbado de Peter Singer é outra “segunda realidade” pós-comunista; e todas elas passam pela desvalorização ontológica do ser humano com fundamentação nas teorias não corroboradas de Malthus e de Darwin.

domingo, 17 de maio de 2015

A religião gnóstica do esquerdalho

 

“The trend of politics in the Western nations since Eric Voegelin’s death in 1986 has made his work increasingly relevant to any philosophically rigorous Conservatism or Traditionalism. In particular, Voegelin’s argument that liberalism and its Leftwing metastases constitute an evangelical religious movement, mimicking and distorting Christianity, has gained currency.

The pronounced irrational character of the “Global Warming” cult and the obvious messianism of Barack Hussein Obama’s presidency have together sharpened the perception that contemporary Leftwing politics shares with history’s specimen-type doctrinally intransigent sects an absolute intolerance for dissent, even for discussion, along with a conviction of perfect certainty in all things.

The sudden experience of Leftwing triumph attests that, indeed, utopian radicalism draws its strength from a deep well of resentment that puts it in conflict, not merely with those whom it regards as heterodox, but also with the unalterable structure of reality.”

Plotinus and Augustine on Gnosticism (Thomas F. Bertonneau )

Quando vemos e ouvimos o esquerdalho na voz, por exemplo, de Ricardo Araújo Pereira ou do Nuno Markl, ou ainda muitas das opiniões ditas “científicas” auto-contraditórias do blogue Rerum Natura — não nos devemos esquecer que essas opiniões são guiadas por uma espécie de religião cuja ortodoxia não admite qualquer dissensão; e, como diz Thomas F. Bertonneau, esse tipo de religião política traduz um ressentimento em relação à inalterável estrutura da realidade.

esquerdalho-webConforme demonstrado por Eric Voegelin, e que Thomas F. Bertonneau sublinha, a rebelião do esquerdalho — que inclui o marxismo e o nazismo — contra a realidade é uma aflição recorrente da vida civilizada, tendo embora como paradigma as seitas gnósticas anti-cósmicas da Antiguidade Tardia. Hoje, o esquerdalho reduz o universo inteiro ao mundo sub-lunar limitado pelos satélites artificiais, o que é uma característica moderna da posição anti-cósmica dos gnósticos antigos. O culto religioso do Aquecimento Global e/ou o culto neolítico moderno e ctónico da Mãe-terra traduzem a redução contemporânea do conceito de “universo” ao mundo sub-lunar.

Quando verificamos que a juventude portuguesa maioritariamente não se interessa pela política, constatamos que o que se passa é uma indiferença em relação às seitas religiosas puritanas, ortodoxas, intolerantes e contemporâneas que em conjunto coordenam a política: o esquerdalho.

É possível que surja na Europa um cepticismo profundo em relação à política, assim como aconteceu um cepticismo profundo em relação às seitas religiosas puritanas depois de Cromwell ter assumido o Poder em Inglaterra, cepticismo esse manifesto no golpe-de-estado inglês de 1688 e na posterior filosofia política de Locke.

O que está em causa hoje é a forma como a política é dogmaticamente concebida, e como o escrutínio político é realizado obedecendo sobretudo à vontade das elites gnósticas contemporâneas (o esquerdalho) através da manipulação dos me®dia e da imposição totalitária de uma espiral do silêncio.