segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Daniel Sampaio e a “observação” utilitarista da vida

 

Daniel Sampaio é psiquiatra. Quando eu oiço, leio ou vejo um psiquiatra falar em Sócrates, o grego — aquele que dizia mas nunca escreveu que “só sei que nada sei, e nem mesmo isto sei” —, eriçam-me imediatamente os pêlos das costas (entre outros).

Se alguém houve, na História das Ideias, que não foi utilitarista, foi Sócrates (o grego! Nada de confusões!). E, por não ser utilitarista, Sócrates foi condenado à morte — por ter recusado o politicamente correcto do seu tempo. E é este homem grego, que pariu a maiêutica anti-utilitarista, que Daniel Sampaio invoca para justificar uma ética utilitarista da adopção de crianças por pares de invertidos...!

Para além desta tese desastrada de um “Sócrates utilitarista” — coisa nunca vista! —, Daniel Sampaio considera a adopção um “direito dos adoptantes”; mas ao mesmo tempo diz que não se trata de um problema jurídico!

Ora, todos nós sabemos que um adulto não tem “direito a uma criança” a não ser que seja o progenitor, e mesmo neste caso com muitas limitações éticas e jurídicas! Pelo contrário, é a criança adoptada que tem direito a uma família que deve ser, sempre que possível, análoga à de uma família natural (uma mãe e um pai).

Para o utilitarista Daniel Sampaio, “examinar a vida” é acomodar os factos da vida na ética (falácia naturalista). Se as crianças adoptadas não fazem parte do “maior número” da ética utilitarista, então devem ser consideradas um dano colateral.

Diz Daniel Sampaio que ninguém é detentor da verdade — ou seja, a verdade não existe. E como a verdade não existe, ele pensa que a verdade dele é melhor do que a verdade dos outros, o que é uma contradição em termos, porque se a verdade não existe, também ele não diz a verdade. Então ¿por que razão a opinião dele é melhor do que a dos outros? ¿Será porque ele “observa a vida” e os outros não?

Esta ideia de que ninguém é detentor da verdade é preocupante se vinda de alguém da área das ciências, porque a ideia de “erro” pressupõe a ideia de “verdade”. E se não há “verdade”, então não há “erro” — ou seja, Daniel Sampaio nunca erra.

Se admitirmos que o outro pode ter razão e que nós talvez nos tenhamos enganado, isso não significa que tudo depende apenas da perspectiva (o tal “examinar a vida” de Daniel Oliveira Sampaio), e que, como afirmam os sofistas do nosso tempo (que Sócrates combateu no tempo dele!), cada um tem razão do seu ponto de vista e não tem razão do ponto de vista de um outro.

Na criação de uma sociedade livre e pluralista, devemos assumir uma atitude que nos permita confrontarmo-nos com as nossas ideias sem nos tornarmos relativistas ou cépticos, e sem perdemos a coragem e a firmeza de lutarmos pelas nossas convicções. Porque a verdade existe.

E é verdade o seguinte: se existem crianças que, por desgraça da vida, não têm pai e/ou mãe, é um absurdo que se defenda que essa desgraça seja consagrada em lei, e que uma situação indesejável para a criança seja considerada desejável pela sociedade através da sua normalização no Direito Positivo.

A má consciência é ainda uma forma de consciência: é caso para dizer que o psiquiatra Daniel Sampaio precisa de ir ao psiquiatra Daniel Sampaio.

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